Por Júlio Barroso
Todo ano é a mesma coisa. É só chegar novembro e as pessoas começam a debater a necessidade de termos uma data para exaltar a consciência negra. Os defensores da data (e do feriado) argumentam que enaltecer Zumbi dos Palmares é reconhecer a sua luta pela liberdade dos seus irmãos escravizados. Os opositores alegam que somos todos iguais perante a lei divina e dos homens e que celebrar essa data seria, sim, uma forma de perpetuar a divisão entre negros e brancos.
Eu sou totalmente a favor da data. Ter consciência negra é saber que sou criação do divino como qualquer outro ser. Sou negão, de lábios grossos e cabelo “pixaim”, e é assim que gosto de ser. É ter a certeza que corre em minhas veias o sangue dos meus antepassados, grandes guerreiros negros, sem ter vergonha de ter ancestrais escravizados – até porque vergonhoso mesmo é sequestrar seres humanos para escravizar, torturar, violentar e matar. É saber que foi o meu povo quem mais colaborou para que o Brasil seja hoje um país tão importante e estratégico, e que isso nos custou lágrimas de dor, suor e sangue e milhões de mortes de inocentes. É saber que somos responsáveis pela riqueza cultural do nosso país.
Ter consciência negra é saber que grande parte da identidade cultural brasileira foi trazida da África ou forjada aqui pelo negro afro-brasileiro. Feijoada, vatapá, acarajé, moqueca, bobó, abará e tantas outras maravilhas culinárias foram criadas pelos nossos antepassados. E na cultura? Samba, coco, maracatu, frevo, folia de reis, jongo e tantas outras expressões artísticas que hoje fazem parte da nossa identidade cultural. Ter consciência negra é ser consciente de que o Brasil conheceu a força e a magia dos orixás através da fé do homem negro, e que a religiosidade do povo brasileiro ainda hoje se multiplica com a presença das nossas mães e pais de santos espalhados por todo o Brasil.
Ter consciência negra é saber que a inteligência humana não tem nada a ver com a cor da pele. Negros e brancos são igualmente capazes, igualmente inteligentes, igualmente humanos. É ter a certeza de que não há raça superior à minha. Raça negra, raça branca ou indígena são simplesmente raças humanas. É conhecer a trajetória do meu povo e ter orgulho da nossa cultura e da história dos nossos heróis: heróis aclamados como Machado de Assis, Teresa de Benguela, Aleijadinho, Dandara, Aqualtune, João Cândido (O Almirante Negro) e tantos outros guerreiros anônimos que deram exemplo de coragem na luta incansável pela liberdade, reconhecimento e igualdade.
Ter consciência negra é me olhar no espelho e enxergar a beleza dos meus traços físicos, sabendo que o bem maior é a beleza da minha alma negra. É poder dizer, com o peito explodindo de orgulho, que sou negro, sim, e que não vão nos calar nem hoje nem nunca!
Valeu, Zumbi!
*Originalmente publicado por ANF – Agência Nacional de Favelas