Luciana Boiteux publicou texto, ontem (19), em que comenta as prisões de políticos ocorridas nos últimos dias como parte de uma narrativa para que a justiça seja vista como neutra, pois ao prender homens ricos, atende a todas as classes. Portanto, justificando o desmedido tratamento conferido às classes mais baixas, principalmente, a jovens e mulheres negras.
” Só pobres estão presos em celas lotadas e insalubres, cumprem integralmente sua pena, não tem direito a delação premiada nem a cela especial. “
Leia o artigo na íntegra:
As prisões de políticos “corruptos” amplamente noticiadas pela mídia corporativa atendem a anseios populares por “Justiça” e legitimam a lógica de que a justiça é “neutra”, pois atuaria contra todas as classes igualmente, “fazendo justiça”. Portanto, se as classes altas e governantes são presos de forma espetacular, mas “justa”, por crimes de corrupção, isso fortalece a “lógica” de que o sistema penal seria igualitário ao prender ricos e pobres. Vejam a perversidade: se esse sistema penal, portanto, seria legitimo, não teríamos porque denunciá-lo, já que pobres estariam lá por que “mereceram”, por serem “naturalmente criminosos”, por delitos patrimoniais e tráfico em sua maioria. Por outro lado, os ricos seriam presos apenas eventualmente porque praticariam “menos crimes”. Eis o discurso do Moro salvador: a Justiça “não falha” pois, trata a todos “com igualdade”, portanto, só Moro pode nos salvar… A justiça criminal é seletiva e instrumentalizada para proteger o poder e o capital. Só pobres estão presos em celas lotadas e insalubres, cumprem integralmente sua pena, não tem direito a delação premiada nem a cela especial. Quando ocorrem eventualmente prisões de “colarinhos brancos” e corruptos (criminosos do poder), isso se dá em meio a disputas políticas dentro da própria classe burguesa e servem apenas para legitimar esse sistema punitivo e perpetuar a dominação de classe (além de resolver conflitos internos da burguesia). Não há capitalismo que se sustente sem o sistema penal para apoiá-lo no controle dos corpos e das mentes. O discurso punitivo é estruturante para a manutenção do capitalismo, pois alimenta a perversa lógica da justiça e da igualdade do sistema punitivo, mas também do econômico, que dele decorre. Defender direitos humanos e garantias processuais é usar o discurso legalista contra o próprio sistema punitivo, é destacar as suas contradições internas. Hoje, é a única maneira de nós, juristas, atuarmos no cotidiano para reduzirmos os danos do encarceramento da população pobre e negra que habita nossos cárceres e que é morta pela polícia todos os dias. De fato, triste país o nosso em que o garantismo penal é revolucionário e contrahegemônico, mas essa é a realidade brasileira para a qual temos que estar atentas na luta política.
Luciana Boiteux é carioca nascida no Rio Comprido. É advogada e professora de Direito Penal e Criminologia da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi Diretora da Associação dos Docentes da UFRJ e Vice-Presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro. Seus principais temas de pesquisa são Gênero e Encarceramento, Política de Drogas e Sistema socioeducativo, e o impacto das Leis de Drogas no Sistema Penitenciário e nas minorias.