O poeta, teólogo e ativista Ronilso Pacheco publicou em seu Facebook texto sobre as ações da PM e da Mídia no Rio. Ele compara a Cidade de Deus de hoje, com Vigário Geral de ontem e lamenta a violência contra a população negra de sempre:
” O modelo de segurança pública que temos, a estupidez da guerra às drogas, a vista grossa nas “operações” de vingança travestida de “caça à bandidos”, tudo isso só terá fim no dia em que os corpos matados mudarem de cor.”
Não deveria ser assim
Ontem e hoje. Na Cidade de Deus ou Vigário Geral. Na mídia, o que importa é se havia envolvidos com drogas ou não. Se o helicóptero foi abatido ou não. Nas ruas, o que pauta as conversas é, mais uma vez, se eram “culpados” ou “inocentes”. Se a comoção é só para um lado da história ou também para o lado “policiais no exercício das suas funções” da história.
Mas tudo o que nós temos são corpos. E tudo o que estes corpos têm em comum é que são pretos, e pobres. Os que brancos forem, se forem, como pretos serão tratados, porque pobres. Dezenas de mortos em atentado na Nigéria não rendem uma semana de matérias nas redes sociais e na grande mídia. Cinco corpos franceses sim. Duas dezenas de mortos em Vigário geral, nitidamente fruto de uma vingança descabida, não nos ensinaram nada sobre o Estado que administra a morte dos invisíveis. Uma morte na Lagoa é capaz de colocar a prêmio a cabeça de um governante, a menos que algum culpado apareça para demonstrar agilidade e justiça. Se não encontram o culpado, produzem.
Hoje eu estou cansado e triste demais para lutar. Cansado para ficar argumentando com provocações sobre “bons” e “maus”, “trabalhadores” e “vagabundos”, sobre homens e ratos. Cansado de ouvir as reportagens desonestas, racistas e cruéis que começam falando da quantidade de corpos e quantos destes corpos tinham passagem por presídios, tráfico ou qualquer coisa do tipo e quantos não.
Tudo que vejo é um Estado assassino. O Estado segue sendo aquele que mata em silêncio. Racista, legítimo herdeiro colonial do protetor de privilégios. Olhe os corpos ao redor e veja quem está estendido no chão. O Estado usa corpos dispostos a se matarem, para que eles se matem achando que tudo é a partir deles, que a guerra é deles. Mas o Estado usa corpos pretos e pobres e aqueles que com pretos e pobres são comparados para matar pretos e pobres e aqueles que com pretos e pobres são comparados.
Sou um homem sem ilusão. O modelo de segurança pública que temos, a estupidez da guerra às drogas, a vista grossa nas “operações” de vingança travestida de “caça à bandidos”, tudo isso só terá fim no dia em que os corpos matados mudarem de cor. Terá fim quando as balas “perdidas”, de tão perdidas, atravessarem os túneis Rebouças e Santa Bárbara, e encontrarem corpos de outra cor e classe social.
Mas até lá não. Olhe as duas imagens abaixo, e veja que, ontem e hoje, tudo o que estamos fazendo é nos matando, enquanto o Estado, racista desde o seu surgimento, segue administrando a proteção aos, e os recursos para os, seus.