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Por Chico Alencar, publicado em O Globo

Está em Mateus (c. 9, v. 16) e vale para crentes, agnósticos e ateus: “ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa o pano, e o rasgo fica maior ainda”.

O governo Temer é constituído por representantes da política carcomida, sem compromisso com qualquer mudança substantiva. Não é sequer remendo de pano novo. Sua base de sustentação parlamentar é fisiológica, vinculada a tudo o que é atrasado na vida nacional. Boa parte apoiava sua antecessora: “hay gobierno, soy a favor!”. Remendo velho em pano velho.

Geddel não é um ponto fora da curva. É a própria curvatura do círculo do poder, que considera “normal” a traficância de influência – como Temer, seus ministros e a maioria do Congresso Nacional, a começar por seus comandantes. Para eles, é “episódio menor” o patrimônio histórico ser violentado pelo histórico patrimonialismo.

Geddel caiu, apesar da poderosa blindagem. Pesou mais o uso da função pública para obtenção de benefícios pessoas, o abuso do poder, a advocacia administrativa. Aliás, é imperativo o esclarecimento sobre a utilização da Advocacia Geral da União para “arbitrar conflitos de interesses entre órgãos públicos”. Pois não se tratava disso, e sim de conflito entre o público e o privado, o bem comum e o negócio particular. A depender de Temer e Padilha, a AGU advogaria não para a União, mas para um único indivíduo… Calero tem razão: o Presidente, ao invés de repreender e exonerar de imediato seu subordinado, insistiu numa chicana, numa “pedalada imobiliária”.

A lei do impeachment define como crime “não tornar efetiva a responsabilidade de seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição” (art. 9º, inciso III). Qualifica também a “ameaça contra funcionário público para coagi-lo a proceder ilegalmente”. Tudo sob o comando do texto constitucional, que, no art. 85, V, responsabiliza o Presidente da República que atentar “especialmente” contra “a probidade na administração”.

O PSOL denunciou a armação da tal anistia ao Caixa Dois e cobrou votação nominal de todos os destaques ao projeto das medidas contra a corrupção. Uma maioria esbravejante nos criticou e derrotou. Agora, com a credibilidade no fundo do poço, seus líderes apressam-se em mudar o discurso, afirmando que não fizeram o que fizeram. O PSOL cobra as responsabilidades do Presidente da República, que não tem como se esconder.

Na República da hipocrisia, aquela em que o presidiário Cabral se diz “indignado” com as acusações que lhes são feitas, Temer declara-se mero “mediador” entre ministros. Maia jura que jamais abrigou a ideia de anistiar um crime que, “por não sê-lo, não podia ser anistiado”… Só falta quem fez ato louvando Geddel dizer que se enganou de pessoa e endereço, queria era homenagear Fidel. E não o Vieira Lima, mas o padre Vieira.