No último dia 15 de dezembro, foi realizada no Rio de Janeiro sessão de desagravo à Luciana Boiteux, por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB-RJ). Advogada criminalista e candidata à coprefeita pelo PSOL Carioca ao lado de Marcelo Freixo, Boiteux sofreu ataques públicos no programa de rádio e TV do então candidato Marcelo Crivella. Ela foi acusada de “defender bandidos”, configurando confusão proposital entre a profissional e seu cliente, além de ofensa à própria natureza da advocacia e das premissas constitucionais que garantem amplo direito à defesa de todas e todos que são acusados por crimes, seja eles de quaisquer natureza. A sessão de desagravo é um dispositivo que advogad@s atingid@s em seu papel na sociedade podem solicitar à OAB. Uma vez havendo pertinência e sob risco de criar ranhuras nas reais funções da classe, conselheiros e a presidência da entidade se manifestam em evento público.
No programa de TV exibido em outubro de 2016, Luciana foi acusada de defender o traficante Uê, um dos mais temidos e procurados nos anos 1990. Entretanto, ela estava apenas listada no processo, pois defendia uma advogada acusada de ter ligações com Uê. Boiteux vê na situação a tentativa de reforçar a imagem de advogados e militantes dos direitos humanos como defensores de atos ilícitos ou mesmo, que esses profissionais compactuam com o tráfico de drogas. Isso, além de ir de encontro a uma prerrogativa constitucional, reforça o senso comum punitivista. Porém, a acusação foi utilizada como uma espécie de propaganda de imagem negativa da candidatura de Freixo e Luciana e pior, irresponsabilidade ativada por um senador da república, o que deliberou ainda mais em favor da sessão de desagravo à Boiteux e reforçou a potência da atitude da OAB-RJ, considerada exemplar, desaprovando a conduta de Crivella em seu ataque.
– É de alguma forma, uma resposta corporativa da OAB em um sentido de proteger os próprios advogados ao entender que esse ataque não é a mim ou à candidata, mas sim um ataque a figura de todos os advogados. Além disso, nós não podemos ferir a presunção de inocência – rejeitar advogar para uma pessoa presumindo que ela seja culpada é ir de encontro à nossa constituição.
Em seu discurso, Luciana aproveitou para fazer um destaque sobre o sistema penitenciário brasileiro atual em que a maioria dos encarcerados são condenados por tráfico. Precário e ainda sendo influenciado por campanhas da mídia que reforçam a imagem do traficante como inimigo número um da sociedade, o sistema penitenciário acaba por condenar pobres, em sua maioria jovens, negros e um crescente número de mulheres que já vivem em condições precárias do lado de fora das celas, a estarem aglomerados em péssimas condições e ainda, sem o direito constitucional de ter um advogado, como se fossem desde sua condição de vida e nascimento, já condenados ao confinamento, quiçá ao assassinato por parte dos aparatos coercitivos do estado.
– Você estaria negando o direito a uma pessoa de ter o direito a ter um advogado.
Para Luciana, esta situação ainda tomou um aspecto ainda mais importante para a OAB por conta do momento político e jurídico ao qual estamos passando no país, onde direitos e garantias sociais estão sendo violados. A conjuntura da “Lava Jato”, na qual uma acusação já significa uma condenação, também trouxe seu caso ao centro da discussão da OAB, pois fala, justamente, do amplo direito à defesa.
Um dos aspectos mais condenados pela OAB-RJ foi a utilização da criminalização da advocacia por parte de um senador da república, tendo como objetivo uma campanha de marketing eleitoral para angariar resultados de imagem negativos para a chapa do PSOL. A estratégia política de Crivella foi, justamente, mobilizar a opinião pública por um discurso persecutório, dentro desta lógica da periculosidade do traficante, contrariando a constituição para angariar votos. Além disso, ao citar Luciana como advogada de Uê, o programa de Crivella caiu em falsidade, pois a mesma não fez parte de sua defesa. Porém, colocado da forma como foi apresentado e sem a possibilidade de defesa imediata por sua parte, para uma parcela da população isso figurou como a verdade.
A advogada pretende entrar com ação civil de danos contra Crivella e caso, obtenha indenização pelo caso, os recursos serão doados para campanhas políticas de mulheres. Segundo Boiteux, é uma forma diante de um ataque como desses, de dar uma promoção positiva da política ao incentivar candidaturas de mulheres em disputas futuras.
Assista à sessão completa no vídeo: