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Artigo de Chico Alencar publicado em O Globo (20/12/2016)
Desde o século IV os cristãos celebram o 25 de dezembro como o dia do nascimento de Jesus. É o solstício do inverno no Hemisfério Norte, a festa do “Sol Invicto”. Aquele que, a partir da noite mais longa e fria, teima em nascer, vencendo, pouco a pouco, as trevas. As forças da escuridão não prevaleceram. Sol que aquece, dá vida, acarinha. Que cada um aspira desde a véspera. Daí as comemorações da noite do dia 24, na expectativa do que demora mas virá.

De lá para cá, per omnia secula seculorum, foram tantos os natais que, mais do que um aniversário, comemoramos um renascimento. Pablo Neruda, ateu e, como todo poeta, místico, conclama à ressurreição: “nascemos como esboço. É preciso sempre renascer. Nascemos para renascer”. Comemorar o novo ano é apostar no nosso renascimento, como pessoa e como coletividade.

A Dra. Zilda Arns, que agora recebe na Plenitude seu irmão D. Paulo Evaristo (velem por nós!), publicou em 2005, cinco anos antes de partir, uma cartinha escrita por crianças assistidas pela Pastoral da Criança de São Félix do Araguaia (MT): “Jesus, tenho sonhos: eu sonho com leite para tomar e um berço para dormir. Mas sonho também com um pedaço de terra para meus pais trabalharem – só assim meu pai não precisará ir para aquelas fazendas onde escravizam os trabalhadores. Sonho ainda com água boa, pertinho da minha casa – só assim a cabaça estará sempre cheia e a minha mãe poderá descansar um pouco. Eu sonho, Jesus, que todos os votos de Natal desejados pelo correio, pela televisão, pelo telefone e por tantos outros jeitos se transformem em gestos de solidariedade e compromisso com os que são chamados de pobres, em especial as crianças”.

Zilda indagava, há uma década, “como ser feliz e preservar o espírito natalino em meio a tanta miséria, egoísmo, violência e corrupção em todas as esferas?”. A médica sanitarista mesma respondia, com seu engajamento concreto em ações solidárias, derivadas da sua opção preferencial pelos pobres, com os quais tragicamente morreu em 2010, no terremoto do Haiti. Zilda Arns renasceu em Espírito como viveu: fazendo o bem.

Assim as nossas vidas, breves mas providas de promessas de alegria. Bartolomeu Campos Queirós, outro que partiu precocemente em 2012, deixou palavras de eternidade em ‘Menino inteiro’: “o certo é que o menino nasceu e partiu. Deixou um recado para ser lido no cosmo infinito, no espelho da água, no silêncio da pedra, no percurso do voo, no intervalo das dúvidas. Só quem olha com dois olhos pode decifrar. A sua presença ficou no sopro do vento, no ruído do inseto, no canto da cigarra, na queda da chuva, na maré do mar, no rumor da cachoeira. E só quem escuta com os dois ouvidos pode entender. Nas palavras que trocam a guerra pela paz, o amargo pelo doce, o nunca pelo sempre, sua visita breve fica mais confirmada. Mas ninguém contesta que há um “antes” e um “depois”, e que houve uma Noite Feliz”.

Assim seja, assim sejamos. Um sereno Natal e um feliz 2017, teimando na Esperança, que se constrói nas generosas batalhas do dia a dia.