Em junho de 2016, o ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e seu secretário de cultura, Junior Perim, anunciaram o lançamento de um programa de fomento às artes com investimento direto de R$ 25 milhões viaeditais. Foi o menor orçamento disponibilizado pela Prefeitura nos últimos quatro anos, representando uma queda de 26% em relação ao de 2013, que foi o maior do último mandato de Paes. Mesmo diante de umaverbareduzida, os trabalhadores e trabalhadoras das artes não esperavam que nãohaveria provisionamento do dinheiro e os 204 projetos contemplados levariam um calote.
Essa atitude de Eduardo Paes (PMDB) no fim do seu mandato e a mudança do grupo político na gestão da Prefeitura, com a eleição de Marcelo Crivella (PRB), deixaram explícita a fragilidade dos programas culturais de fomento da cidade.
O edital de fomento direto é um grande passo para cultura sob o ponto de vista contra-hegemônico.Ele possibilita a descentralização territorial dos projetos artísticos, através da ocupação das lonas culturais, e retira o poder do marketing das empresas privadas de escolher quais tipos de shows e eventos serão realizados na cidade. O programa ainda precisa ser aperfeiçoado para, principalmente, garantir que o trabalho dos agentes culturais seja continuado, mas, de toda forma, pode ser considerado um avanço significativo em relação à Lei do ISS. Essa Lei, que reproduz a lógica capitalista de associação das artes às marcas garantindo a estratificação da cultura,recebeu R$55 milhões da Prefeitura – cerca de 183% a mais do que o prometido para o fomento direto em 2016 –, demonstrando o modelo de gestão cultural.
A iminente possibilidade de não pagamento do edital aberto no ano passado, já sinalizada pela atual secretária de cultura, Nilcemar Nogueira, coloca à mesa a discussão sobre a necessidade de tornar tais programas uma política de Estado, e não de governo.
Uma das saídas, por exemplo, seria a criação de um fundo para a cultura que garantisse um percentual fixo da verba da pasta através de recursos obtidos pela Lei de Orçamento Fiscal da cidade. Uma atitude central para que as trabalhadoras e os trabalhadores não fiquem à mercê do jogo político eleitoral.
Em meio a um cenário de crise política, estrangular a cultura foi uma saída adotada por diversos governantes, pois impossibilita a transgressão através do simbólico cultural, que dialoga facilmente com a sociedade. O maior exemplo disso foi a censura provocada pelo golpe de 64.
A viabilização de projetos culturais que modifiquem a correlação de forças no mercado das artes é um importante caminho para a construção de um processo de renovação da vida urbana, possibilitando o surgimento de novos artistas e grupos que se disponham a trabalhar os elementos culturais através da prática lúdica. Nesse sentido, também é fundamental que as políticas de Estado incentivem a ocupação das lonas culturais e dos espaços marginalizados, para que o acesso à cidade seja amplo e o eixo dos eventos seja descentralizado.
Por isso, a garantia de um programa de fomento efetivo, que seja legado político suprapartidário, é urgente e necessária para a continuidade das produções artísticas.O calote no edital de 2016 é um grave descompromisso com os agentes culturais e com toda população que usufrui de seu trabalho, para além das palmas, sorrisos e afeto.
Juan Leal
Produtor Cultural e membro do Setorial de Cultura do PSOL Carioca