Na comissão de frente, mototaxistas abriam caminhos na buzina. Os adereços dos manifestantes eram faixas carregadas com dizeres diretos e urgentes como a reivindicação dos moradores de favela: viver. Com centenas de crianças no ato, liberadas por suas escolas municipais, só não se pode dizer que era o futuro quem pedia passagem porque a mudança tem que ser pra ontem. E foi entre música, poesia, performance e depoimentos emocionantes que o bloco da revolta, mas também da esperança, tomou as ruas do Complexo da Maré, na manhã desta quarta, protestando contra a violência que diariamente vitima moradores. “Não é a política de confronto que vai resolver o problema da violência. É preciso mais direitos, mais democracia e o fim da insana guerra às drogas”, declarou o vereador do PSOL Carioca Tarcísio Motta.
A Marcha Basta de Violência! Um outra Maré é possível, organizada por movimentos sociais locais, saiu do Parque União e do Conjunto Esperança com milhares de moradores para se encontrar num dos pontos mais emblemáticos da região, conhecido como Divisa. Os furos de bala, onde foram colocadas flores, estavam por boa parte das casas e davam a dimensão da vulnerabilidade dos moradores. Em cima de um palanque, mães que perderam seus filhos para a violência revezavam seus relatos com manifestações artísticas de crianças e jovens.
– Estamos nesse lugar que precisa ter direito de ir e vir, a gente quer viver, a gente quer sobreviver. Mais do que um pacto de não à violência, a gente quer a responsabilidade do poder público de não incursão policial nos horários de entrada e saída das escolas. A gente luta por um debate de segurança que é mais amplo, afirmou a também vereadora do PSOL Carioca Marielle Franco, nascida e criada na Maré.
Alvejado por dois tiros desferidos pelo Exército em 2015, na época em que as Forças Armadas ocupavam a favela, o cadeirante Vitor denunciou a violência do Estado: “Por muito tempo me calei sobre o que aconteceu, mas hoje posso falar e, falando, tentar impedir que mais pessoas sejam vítimas da violência do Estado”. Já o coletivo Movimentos, em manifesto lido por seus integrantes, criticou a abordagem da grande mídia na cobertura de favelas: “Os meios de comunicação tratam as favelas e seus moradores como criminosos, incentivando ações violentas e violadoras por parte do Estado”. Para Rosália, dona de casa que participava de sua primeira manifestação, a mobilização dos moradores pode ser o ponto fundamental da mudança da realidade no Complexo e pediu: “Tem que ter mais”.
Para Talíria Petrone, vereadora do PSOL em Niterói e que conheceu Marielle na própria Maré, o modelo de política do estado para a favela está insuportável e por isso, “não dá para o estado achar que vai chegar na favela com uma política segurança pública que não assegura a segurança de quem mora na favela. O estado tem que chegar com moradia digna. Não precisa de polícia, não precisa de caveirão. A Maré precisa de moradia, de educação, de creche, de saneamento básico. Não dá mais para a gente aceitar esse modelo de segurança pública” completou.
Um dos momentos mais marcantes do ato ficou por conta das Mães de Favela que perderam seus filhos na insana guerra contra as drogas, verdadeiro massacre da juventude negra e favelada. Mônica Cunha, coordenadora do Movimento Moleque, acredita que a luta dessas mães tem como finalidade mostrar à favela a necessidade da luta como ferramenta de sobrevivência para aquelas mães e seus filhos que ainda estão vivos e conclamou a favela a ir às ruas protestar: “vocês têm que vir para as ruas, sim! Tem que dizer basta à violência, sim! Não é só na Maré, é no estado do Rio de Janeiro. A gente tem que parar de deixar matar os nossos jovens. Nós não estamos em guerra, pois a guerra é para todo mundo e a que aqui está é só para negro e pobre favelado”, enfatizou.
Assista abaixo, o emocionante discurso de mães de favela feridas pela mão opressora e racista do estado:
Por Manuela Trindade – Mandato Coletivo Tarcísio Motta
Colaborou João Paulo de Oliveira
Fotos: Clarice Lissovsky