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Valorização de prédio em mais de R$ 15 milhões após alteração de uso do solo não beneficiou a prefeitura

A Câmara Municipal aprovou, graças à orientação do prefeito Marcelo Crivella (PRB), a alteração do uso do solo de um único prédio situado na Avenida Rui Barbosa, que pertence ao Clube de Regatas do Flamengo. O imóvel, que antes só poderia funcionar como residencial, passou a poder ser convertido para a utilização hoteleira. Esse episódio é um bom exemplo de como funcionam as relações de poder e dinheiro na construção da nossa cidade. A princípio, pode até parecer que não há problema algum. Afinal, era um prédio que estava abandonado e sem uso. Mas vamos aos números.

Não sabemos ao certo a metragem quadrada do imóvel. Baseado em um levantamento bem rudimentar feito por meio de imagem de satélite, consideremos que o estamos tratando de aproximadamente 31,5 mil metros quadrados de área construída. A Planta Geral de Valores do Município, fornecida pela Secretaria municipal de Fazenda e reconhecidamente bem defasada, considera que para o logradouro em questão o valor do solo de uso residencial é de R$ 4.084,20 e de uso comercial, R$ 4.591,39.

Tendo em vista esses números, a alteração gerou uma valorização de R$ 15,75 milhões. Tudo ficou com o proprietário e nada, absolutamente nada, foi para a coletividade. Seguindo as recomendações contidas no Estatuto das Cidades e no Plano Diretor do Rio de Janeiro, apresentei em conjunto com a bancada do PSOL propostas de emendas que exigiam o pagamento de contrapartida de parte desse valor. Infelizmente, sempre com a orientação do prefeito, a maioria dos vereadores derrubou as emendas. Nem parece que o alcaide é o mesmo sujeito que fica chorando miséria com o estado de penúria das finanças públicas.

Está achando pouco? Ainda tem mais. De acordo com sites especializados, o valor do metro quadrado no bairro é de R$ 11.679, ou seja, a ordem de grandeza da doação da prefeitura possivelmente chega à escala dos R$ 40 milhões. Mesmo considerando todas as imprecisões nestas contas, fica evidente que a valorização gerada é muito significativa. A título de comparação, até pouco tempo, essa mesma prefeitura estava estudando taxar inativos para recolher 70 milhões por ano.

Este não é um caso isolado. Ele é um exemplo de como se dá a relação do poder público com o mercado imobiliário. O poder público municipal pode não ter minas de ouro ou árvores de dinheiro, mas possui algo que gera milhões de reais todos os anos, que é a atribuição de gerir o potencial construtivo, ou seja, o que será construído; como; onde e em qual intensidade. É um dinheiro invisível, que boa parte da população nem sabe que existe. Ele poderia ser arrecadado, pelo menos em parte, para financiar habitação, saneamento, transportes, entre tantas demandas sociais. Contudo, é distribuído para poucos e deixa a maioria na situação que conhecemos.

Por Renato Cinco, vereador do PSOL Carioca – Originalmente publicado em O Globo