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As denuncias de corrupção, ignoradas no auge do delírio olímpico mas que já todos sabiam, estão estourando apenas agora

No auge do delírio olímpico, a elite carioca se sentia em Barcelona. O otimismo, financiado por milhões de reais em publicidade e controle da pobreza nas favelas, promoveu a sensação de prosperidade. Tudo parecia ir bem na cidade que é a vitrine do Brasil para o mundo e o então prefeito, Eduardo Paes, se dizia o homem mais feliz da terra.

imprensa embarcou e, anestesiada pelos mesmos milhões, ignorava as denúncias de corrupção que estão estourando apenas agora, mas que todos já sabiam. A mesma imprensa que diz que uma lei de mídia democrática tolheria a sua liberdade se calou por dinheiro. A Justiça e o Ministério Público, que agora se apresentam como salvadores da pátria, também ignoravam todos os indícios de corrupção no melhor momento para intervir: quando a corrupção acontecia.

A Olimpíada passou. Eduardo Paes, que escreveu artigo recente neste EL PAÍSdizendo que o legado olímpico um dia vai chegar, foi para Nova York. Lá iria dar aula na prestigiada Universidade de Columbia. Iria porque, quando seu nome começou a pipocar nos escândalos de corrupção no Brasil, acharam melhor que ele não desse lições sobre gestão pública; faz sentido. É o que diz a rádio corredor da universidade americana, mas a versão oficial é que o ex-prefeito desistiu para ter mais liberdade de viajar para o Rio de Janeiro.

Se Paes viesse ao Rio passaria por um Parque Olímpico abandonado no caminho para sua casa, em um condomínio da Barra da Tijuca. A mesma Barra que recebeu 85% dos recursos olímpicos, mas que possui apenas 5% da população carioca. Vejam que o legado já chegou para ele e para seus amigos Carlos Carvalho, da Carvalho Hosken (a quem Paes servilmente chama de Dr. Carlos), e Pasquale Mauro, os maiores proprietários da Baixada de Jacarepaguá. Os dois faturaram cifras na casa dos bilhões de reais com a valorização de suas terras promovida pelo investimento público em infraestrutura urbana nos dois mandatos de Eduardo Paes. Agora, a cidade endividada ameaça não pagar aos servidores públicos municipais e o estado, quebrado, já não paga.

Se saísse de Nova York e desembarcasse no Galeão, Paes talvez descobrisse que o dono de sua agência de publicidade, a Prole, a mesma de Pezão e Cabral, a mesma que calou a imprensa e vendeu a imagem do Rio-Barcelona, está negociando uma delação premiada com a Operação Lava Jato. O Nervosinho, apelido de Paes na planilha de corrupção da Odebrecht, saberia que seu nome aparece na delação de um executivo da empreiteira, que declarou ter pago mais de R$ 16 milhões ao ex-prefeito para facilitação de contratos olímpicos. Sim, as empreiteiras também enriqueceram com o Rio Olímpico. Propusemos uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal para investigar este e outros casos.

Paes no Rio descobriria também que todos já sabem do desvio de recursos públicos de obras em uma favela na região portuária para o Museu do Amanhãque, segundo ele, teria sido feito inteiramente com recursos privados. O Porto Maravilha parece mais ser o porto da negociata. O deputado federal Eduardo Cunha, preso em Curitiba, teria faturado uma porcentagem dos recursos provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que bancou a maior parte das intervenções. Milhões de reais roubados dos trabalhadores. Mais uma CPI está sendo proposta para investigar a parceria público-privada da região portuária. Talvez Paes no Brasil pudesse visitar Cunha, do seu partido PMDB, e ainda tivesse um tempo para encontrar Sérgio Cabral, grande amigo que bancou sua candidatura a prefeito em 2008 e atual residente do complexo penitenciário de Bangu.

Não foi à toa que movimentos sociais promoveram em 2012 e 2013 uma campanha com a hashtag #PaesMente. Paes mente muito, mente descaradamente. Só que já diziam os mais velhos: mentira tem perna curta. O Rio de Janeiro, vitrine do Brasil para o mundo, teve suas vitrines quebradas em 2013. Os “vândalos” passaram uma mensagem que muita gente não quis entender: “Não aguento mais Sérgio Cabral e Eduardo Paes”. Agora parece estar mais claro quem são os verdadeiros vândalos. O mundo gira e Paes finalmente é a bola da vez.

Por Renato Cinco, vereador do PSOL Carioca – Originalmente publicado em El País