Por Chico Alencar, deputado federal PSOL RJ
O planeta Terra faz uma revolução permanente, em torno de si mesmo e do Sol. Se não nos revolucionarmos, ficaremos tontos e andaremos para trás.
Minha geração foi contemporânea de duas revoluções: a Chinesa e a Cubana. A centenária Revolução Russa, de 1917, as inspirou. Ali, os 300 anos do domínio czarista dos Romanov foram derrotados por operários(as), camponeses(as) e soldados mobilizados por “paz, pão e terra”. A multidão de anônimos, organizada em torno de um projeto, podia transformar a sociedade injusta.
A compreensão da História revela a chama que incendiou mudanças e aponta erros que não devemos repetir. Um olhar meramente laudatório sobre a Revolução Russa será ineficaz. Passado o período extraordinário da tomada do poder, a Revolução viveu o ordinário de sua realização concreta, ao longo do século XX. Por isso, nestes tempos em que a esquerda precisa se reinventar, é imprescindível pontuar os muitos fatores em que o “socialismo real” negou seus arrebatadores impulsos originários.
Estatização não significa, necessariamente, controle popular e democratização da gestão. O aparato do Estado soviético gerou pesada dominação burocrática. O partido único – expressão, em tese, da vontade majoritária do proletariado – criou uma casta privilegiada, com seu mando vertical e suas “dachas”. As diferentes nacionalidades e religiosidades daqueles povos, existentes no imenso território da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, então com 22.402.200km², foram desrespeitadas, abafadas, reprimidas. A prolongada guerra civil entre “vermelhos” e “brancos” provocou uma militarização do regime, o que foi amortecendo o dinamismo dos sovietes (conselhos populares) e reconstituindo uma hierarquização que engessou a então chamada – nos anos inaugurais – “sociedade mais livre do mundo”.
Tudo isso deu curso ao stalinismo, que, para consolidar “a revolução em um só país”, acossada pelo imperialismo capitalista, levou à morte 680 mil pessoas no final da década de 1930 – entre os quais muitos revolucionários autênticos, que ousaram divergir dos “guias geniais dos povos”. Ainda reverbera a denúncia de Vladimir Maiakovski: “ao Comitê Central do futuro ofuscante, sobre a malta dos poetas velhacos e falsários, apresento em lugar do registro partidário todos os cem tomos de meus livros militantes”.
O capitalismo hegemônico no mundo, em sua etapa de financeirização, continua sendo reprodutor da desigualdade. Mas o socialismo a ser reinventado, sem negar as virtudes das experiências revolucionárias para sua implementação, tem que incorporar novos valores e se inserir nas exigências do século XXI: há de ser democrático, ecológico e libertário.
Urge conceber um novo Estado, transparente, poroso às demandas populares. Que, como diz Álvaro Linera, vice-presidente da República plurinacional da Bolívia, “orquestre o modo como concebemos aquilo que nos vincula aos outros, como educação, estradas, comércio, saúde e concepção de vida em coletividade”.
O planeta Terra faz uma revolução permanente, em torno de si mesmo e do Sol. Se não nos revolucionarmos, ficaremos tontos e andaremos para trás.