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Artigo publicado originalmente em O Globo

O atual Rio de Janeiro é estado jovem, de 42 anos e oito meses. Nasceu a fórceps, por decreto do general Geisel, que determinou a fusão dos antigos Rio de Janeiro e Guanabara. Esta unidade da Federação só tem área maior que o Distrito Federal, Sergipe e Alagoas. Quanto à ocupação humana, no entanto, é a terceira do país, com seus 16.718.956 habitantes (dados do IBGE, de julho deste ano). Apenas em São Paulo e Minas Gerais habita mais gente.

Esse estado com enorme potencial – no turismo, na cultura, nos serviços, no comércio, na indústria, na ciência e na tecnologia – tem sido, entretanto, vítima de seus governantes. Eles são verdadeiros assassinos das possibilidades desse pedaço do Brasil, com seus 92 municípios em lindas regiões litorâneas, serranas e campestres.

O padrão político-administrativo cristalizado no Rio de Janeiro é rebaixado, e episódios como as escandalosas negociatas dos vereadores de Teresópolis, de recente divulgação, não são exceção. O povo fluminense é vítima de quem pretende governá-lo, com seu modus operandi de conluio com grandes empresas e milhões para campanhas eleitorais e patrimônio.

Após a gestão do interventor Faria Lima, autoritário e tecnocrático, nomeado pelo governo militar, veio um governador eleito indiretamente, Chagas Freitas. E com ele a política da bica d´água, do toma lá dá cá – que a ditadura sempre estimulou. Chagas era do MDB conivente com o regime repressivo, e por isso bem aceito.

Brizola chegou para “lavar com sabão e soda cáustica o chaguismo”. Trouxe esperança e marcou o início de políticas mais gerais para o estado, especialmente na educação. Com o tempo, acabou compondo com representantes do fisiologismo, como o todo-poderoso presidente da Assembleia Legislativa, José Nader (que foi recompensado com uma cadeira no Tribunal de Contas, outro órgão usado para barganhas politiqueiras). Já então a tal “governabilidade” era tida como inevitável…

Moreira Franco, homem-forte de Temer, investigado na Lava-Jato, e Marcelo Alencar, já falecido, fizeram governos medíocres, sem os nutrientes que um estado em formação necessitaria. Os demais governadores estão atrás das grades: Garotinho, Rosângela Matheus, Cabral. Não estão sozinhos: a cúpula da Alerj também está na cadeia. Nas redes virtuais, a sigla PMDB foi apelidada de “Partido dos Mafiosos Detidos em Benfica”. Sinal da extensão da degradação foi a prisão e destituição de nada menos que cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado!

O historiador Milton Teixeira afirma que isso não é novidade: “governadores, desde a família Sá, sempre mandaram acima das leis (…) A impunidade dominou, nos tempos de Colônia, Império, República”. Pode-se dizer que esses procedimentos degenerados ocorrem por todo o Brasil e em quase todos os partidos. Mas o Rio, no ranking da decadência política nacional, ocupa lugar especial: lembremo-nos do poderosíssimo Cunha, já condenado, que controlava 90% da bancada federal fluminense. Na outra ponta, tragicômica, o Rio oferece Celso Jacó, o deputado-presidiário que tentou primariamente burlar as normas da Papuda, colocando de novo a cueca no anedotário nacional. Justiça e Ministério Público estaduais sofrem pressões da casta delinquente que hegemoniza a política regional, da qual Pezão é o desgastado herdeiro.

O começo da recuperação do Rio de Janeiro tem um protagonista fundamental: seu próprio povo, sofrido e criativo. Urge resgatar sua tradição contestadora, revelada em tantas revoltas (como as de quilombos, a do Vintém, a da Vacina, a da Chibata) e manifestações massivas (contra o nazifascismo, pela anistia, pela democracia). O desafio para 2018 é tirar da cena pública figurões e figurinhas das máquinas partidárias corruptas, negando o voto aos herdeiros dos criminosos que apostam na falta de memória coletiva.