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Artigo originalmente publicado em O Globo

Na missa de sétimo dia por Marielle Franco, Dona Marinete da Silva, mãe da vereadora assassinada, revelou que a família recebeu telefonema do Papa

Na missa de sétimo dia por Marielle Franco, dia 20, celebrada na igreja Nossa Senhora do Parto, no Centro do Rio, Dona Marinete da Silva, mãe da vereadora assassinada, revelou que a família recebeu telefonema do Papa Francisco manifestando solidariedade e afeto. Marielle participou da Pastoral de Juventude e sua mãe, devota de Nossa Senhora Aparecida, foi ministra da Eucaristia na Maré.

A igreja católica no Brasil não teve nenhuma influência no gesto de compaixão do Papa Francisco. Luyara, filha de Marielle, escreveu ao pontífice dois dias após o assassinato da mãe, e fez a carta chegar às mãos dele por meio do professor argentino Gustavo Vera, amigo de Francisco e presidente da Fundación Alameda, dedicada ao combate do tráfico de pessoas. Participou da articulação Lucas Schaerer, do Partido do Bem Comum, assessor de comunicação da fundação.

A atitude de Francisco se contrapõe ao silêncio da direção da CNBB e a ausência de autoridades católicas em manifestações e cultos em homenagem à vereadora. A única nota de protesto ao assassinato e à violência veio do Regional Leste 1 da CNBB e, assim mesmo, assinada pela “assessoria de imprensa”.

Alguns católicos manifestaram nas redes digitais indignação pela nota do Regional, enfatizando que Marielle defendia o direito ao aborto, à união homoafetiva e era mãe solteira. Em 2015, o papa Francisco foi enfático: “Não existe mãe solteira, pois mãe não é estado civil.”

A tímida reação de autoridades católicas do Brasil frente ao brutal assassinato de Marielle e Anderson contrasta com a história da CNBB durante a ditadura militar, quando reagiu publicamente em defesa dos direitos de comunistas e ateus perseguidos, exilados, presos ou assassinados. Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal de São Paulo, tomou a si a defesa de Vladimir Herzog, judeu e comunista, a ponto de celebrar missa em memória dele na catedral da Sé. Interpelado por que o fazia, respondeu: “Jesus também era judeu.”

Jesus jamais discriminou pessoas que divergiam dele ou viviam em contraposição aos valores que ele propagava. Acolheu o centurião romano, defendeu a mulher adúltera, louvou o gesto afetuoso da prostituta que lhe perfumou os pés, aceitou jantar na casa do opressor Zaqueu.

E ensinou que toda pessoa, não importa o que faz ou como pensa, é templo vivo do Espírito de Deus. Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros.

*Frei Betto é escritor, autor de “Cartas da prisão” (Companhia das Letras), entre outros livros