Artigo publicado originalmente no blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha de S.Paulo
A ADPF, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, n. 442, protocolada pelo PSOL com apoio do Instituto Anis, questiona perante o Supremo Tribunal Federal a violação de direitos fundamentais das mulheres diante da manutenção dos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940, que hoje criminalizam o aborto com apenas três exceções, risco de vida e gravidez resultante de estupro, além do feto anencéfalo, incluído posteriormente.
Tal criminalização viola vários direitos das mulheres: dignidade, cidadania, direito à vida, à igualdade, à liberdade, direito de não ser torturada, o direito à saúde e ao planejamento familiar, previstos na Constituição de 1988. É mais do que urgente argumentar pela vida das mulheres contra uma criminalização do século passado, antes da lei do divórcio e da pílula anticoncepcional.
Essa opção de enfrentar o tema no STF surge diante do bloqueio das tentativas de avanço do debate no Parlamento, formado apenas por 11% de mulheres. Mesmo o excelente Projeto de Lei n. 882/15, do Deputado Jean Wyllys, de legalizar o aborto acabou sendo impedido pela força da bancada evangélica, que ainda tenta nos fazer recuar com a PEC 181, o Estatuto do Nascituro e o famigerado PL 5069/13.
Enquanto você está lendo esse texto, a cada minuto uma mulher brasileira decide fazer um aborto, e vai realizar esse procedimento, ainda que na ilegalidade e com todos os riscos. A Pesquisa Nacional sobre Aborto, realizada pela Anis em 2016, mostrou que uma em cada cinco mulheres, aos 40 anos, já havia feito pelo menos um aborto. Só no ano de 2015, estima-se que 503 mil mulheres fizeram aborto. E elas são mulheres comuns, a maioria é jovem, tem mais de um filho e segue uma religião. Portanto, mesmo sendo crime, mulheres fazem abortos, ou seja, a criminalização não impede que isso ocorra, mas as submete aos riscos de um aborto inseguro.
Isso porque a interrupção da gravidez na ilegalidade, segundo a mesma pesquisa citada, traz consequências graves: 67% dessas mulheres que fizeram aborto tiveram que ser internadas, enquanto que estudos internacionais recentes apontam para entre 8 e 18% de mortes maternas como decorrentes de abortos inseguros, a maioria de mulheres negras e pobres.
É, então, pela vida das mulheres que precisamos legalizar o aborto. Hoje, a ADPF 442 conta com número recorde de amicus curiae que ingressaram com pedido de habilitação no caso. Seguindo seu trâmite, a relatora, Ministra Rosa Weber, determinou a realização de audiência pública nos dias 03 e 06 de agosto, destinada a ouvir experts, sociedade civil e organizações que atuam no tema, de forma a trazer para o caso informações úteis ao julgamento final, que ainda não tem data.
A ADPF representa um passo muito importante na legalização do aborto no Brasil, ao trazer uma nova esperança à luta do movimento feminista em nosso país, especialmente diante do cenário internacional. Na Europa, todos os países já legalizaram, até a católica Irlanda que recentemente legalizou o aborto. Na América Latina e na África, contudo, a maioria dos países ainda criminaliza mulheres por tal crime, embora tenhamos tido avanços recentes na Bolívia e no Chile, mas especialmente na Argentina, que aprovou na Câmara a legalização do aborto com milhares de mulheres nas ruas com lenços verdes, o que ainda será votado no Senado no próximo dia 08/08.
Esperamos que essa onda verde que veio da Argentina possa soprar no Planalto Central e fortalecer a ADPF 442 que poderá descriminalizar o aborto e garantir a normatização necessária para legalizar o aborto no Brasil. Aborto seguro, legal e gratuito, é o que as argentinas pedem nas ruas, e o que nós pedimos também. Porque legalizar o aborto é defender a vida das mulheres.