Por Chico Alencar
O ano de 2019 começa no Brasil sob o signo da morte. O tsunami de lama da Vale, em Minas, em 25 de janeiro, engoliu 322 pessoas. As chuvas fortes, no Rio, dia 6, ceifaram sete vidas. O incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo carbonizou 10 adolescentes, em 8 de fevereiro. E as balas “certeiras” da polícia, na mesma sexta-feira, eliminaram 13 suspeitos de vínculo com o tráfico, em morros do centro da chamada Cidade Maravilhosa. A soma macabra é impressionante: em 15 dias, um total de 352* vidas encerradas de forma violenta. Não há país do mundo, sem guerra declarada, com essas quantidades letais!
O mais trágico é que toda essa mortandade era evitável. Em Minas, o vale de lágrimas deriva do afã de lucro, de falhas no sistema de prevenção e alarme, de ligeireza nos laudos que atestavam a “segurança” da barragem. Crime humano e ambiental!
São conhecidas as chuvas de verão, no Brasil e no Rio. Como também são conhecidos os procedimentos para evitar ao menos perdas de vidas humanas. Aqui, as autoridades sequer cogitaram interditar a Avenida Niemeyer, onde um ônibus foi atingido por um deslizamento de terra, que matou Thamires e Mário. Naquela enchente de horrores também perderam a vida, nos escombros de casas que ruíram, Adriana, Mauro, Isabel, Marisa e Aureo. Famílias afogadas na dor, esperanças no novo ano abruptamente cortadas. O despreparo e a morosidade do Poder Público foram fatais.
Christian, Bernardo, Samuel, Arthur, Pablo Henrique, Rykelmo, Gedson, Jorge Eduardo, Áthila e Vitor: a chocante morte de quase um time inteiro da divisão de base do Flamengo, meninos entre 14 e 16 anos, podia ter sido evitada. Clama aos céus – e à Justiça na Terra – que um clube com boa situação financeira, que só este ano já investiu mais de R$ 100 milhões para contratar jogadores profissionais, não tenha instalado detectores de fumaça em alojamentos improvisados em contêineres, e sem alvará do Corpo de Bombeiros. Os R$ 25 mil por mês que se gastaria com uma brigada de incêndio, trabalhando 24 horas, seriam metade do que alguns atletas e o técnico recebem por dia. O professor Alexandre Avelar foi preciso: “os meninos não eram profissionais. No mercado do futebol, eles eram pré-mercadorias ainda sem valor”. Em suma: os sonhos e corpos foram calcinados não por uma “fatalidade”, mas por uma fatal irresponsabilidade!
Nessa mesma sexta-feira da paixão carioca, uma operação policial em morros do Rio, onde vive uma grande população trabalhadora, privada de quase tudo, levou à morte nada menos do que 13 jovens, “todos ligados ao tráfico”, segundo a PM – que também disse que “todos reagiram”. Os policiais cumpriram a determinação do governador, de atirar para matar. Moradores, entretanto, garantem que eles estavam imobilizados, e foram sumariamente executados. Na nossa barbárie cotidiana, atroz e desumana, ninguém se importa com esses jovens proscritos, que em vez de uma bola nos pés tinham, alguns, pistolas na mão. Estão tão invisibilizados – agora mortos – que apenas três foram identificados: Vitor, Roger e Enzo. Da mesma geração que os incinerados no Flamengo: entre 15 e 18 anos. “A PM tem que prender, não matar quem está rendido”, disse, aos prantos, a mãe de um deles. Execução é crime!
Publicado originalmente no Jornal do Brasil de 12/02/2019
* A coluna foi escrita antes da notícia da trágica morte do jornalista Ricardo Boechat
Foto: Tânia Rêgo | Agência Brasil