Na frágil democracia de hoje, ainda em construção, é fundamental repetir: Ditadura, tortura e censura nunca mais!
A praça, espaço do povo, é o ambiente do dia a dia da democracia. Como professor, quero sempre poder ler ali, despertando algum interesse de quem passa, uma “ordem do dia a dia”, falando das coisas da vida e dos fatos históricos.
Não quero uma plateia em posição de sentido, mas indagadora, dialogante, a partir do que dá sentido ao seu cotidiano. Trata-se de tocar nos seus desejos, angústias, alegrias, tristezas. Em tudo aquilo que nos coloca em comunhão, troca, relação com os outros. Exercício de cidadania sem tiros de canhão.
Não precisa tocar o Hino Nacional, embora ele sempre, onde quer que seja executado, me emocione: “Se ergues da justiça a clava forte/ verás que um filho teu não foge à luta”. Será?
Trata-se agora de relembrar um fato histórico concluído em 1º de abril de 1964: o golpe civil-militar que derrubou o governo constitucional do presidente João Goulart. O atual presidente, Jair Bolsonaro, repete que não houve ditadura no Brasil nesse período, apenas “alguns probleminhas”.
Não me iludo, mas seria razoável esperar que o capitão analisasse melhor o que aconteceu nessa “página infeliz da nossa história, passagem desbotada na memória das nossas novas gerações”, como cantaram Chico Buarque e Francis Hime.
Não é “salvação da democracia” um regime que, em 21 anos, massacrou quem ousava criticá-lo, montando uma máquina estatal de perseguição, sevícias e assassinatos que gerou 434 mortos e desaparecidos, e milhares de torturados! Cerca de meio milhão de pessoas foram investigadas, 50 mil detidas, 11 mil acusadas em tribunais militares e cinco mil condenadas em julgamentos políticos viciados. Quase 10 mil foram para o exílio, 8,3 mil nativos de diferentes etnias exterminados, 1.312 militares reformados compulsoriamente, 1.202 sindicatos postos sob intervenção, 49 juízes expurgados (sendo três do STF).
O Congresso foi fechado por três vezes e sete Assembleias estaduais postas em recesso. Impôs-se um bipartidarismo artificial, com um partido do ‘sim senhor’ (Arena) e outro do sim (MDB). No plano da cultura, 500 letras de música foram censuradas, 500 filmes com exibição proibida, 450 peças teatrais cortadas, 200 livros impedidos de circular… Por outro lado, 101 empreiteiras e bancos se lambuzavam na corrupção, mas a imprensa censurada não noticiava.
Por isso, na frágil democracia de hoje, ainda em construção, é fundamental repetir: Ditadura, tortura e censura nunca mais!
Chico Alencar é escritor e professor de História da UFRJ