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Com live e tudo, parlamentares mulheres e negras do PSOL em todo o Brasil lançaram o manifesto “Não ando só”. O documento é em homenagem ao dia 25 de julho, quando é celebrado o Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha, além de ser o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Ele é assinado pelas deputadas federais Talíria Petrone (RJ) e Áurea Carolina (MG) e as deputadas estaduais Andreia de Jesus (MG), Dani Monteiro (RJ), Mônica Francisco (RJ), Renata Souza (RJ), Érica Malunguinho (SP), Mônica Seixas e Érika Hilton (SP, Bancada Ativista), Jô Cavalcanti, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima (PE, Juntas Codeputadas).

“Não ando só”

Manifesto das Deputadas Negras do PSOL em memória ao Julho das Pretas e ao dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Quem são essas Deputadas

Quando as mulheres negras se movem, toda a estrutura se move com elas…
Em Minas Gerais somos: Andreia de Jesus e Áurea Carolina com MUITAS. Em Pernambuco somos: Jô Cavalcanti, Kátia Cunha e Robeyoncé Lima com JUNTAS Co-deputadas. No Rio de Janeiro somos Dani Monteiro, Mônica Francisco, Renata Souza e Talíria Petrone. E em São Paulo Somos Erica Malunguinho e Mônica Seixas e Erika Hilton com Bancada Ativista. Somos diversas e estamos em uma construção coletiva, pelas que vieram antes de nós e pelas que virão, para que não sejamos a exceção no parlamento.

Sentidos e significados do Julho das Pretas

O 25 de Julho foi denominado como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha em 1992, em Santo Domingo, na República Dominicana, com a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e com a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas.

No Brasil, é Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, criado pela com a Lei nº 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. Tereza de Benguela foi uma líder quilombola, que viveu durante o século XVIII.

O Julho das Pretas foi criado em 2013, pelo Odara – Instituto da Mulher Negra, de Salvador-BA, sendo uma agenda conjunta, originalmente desenvolvida por organizações e movimentos de mulheres negras dos estados da Região Nordeste. Nos últimos anos tem sido incorporada também por outros estados do país.

Em 2015 surgiu a Marcha das Mulheres Negras com o lema “Estamos em marcha”. Em todo país, sempre em um domingo próximo ao dia 25 de julho, milhares de mulheres negras, organizadas ou não em diversos movimentos de esquerda, vão às ruas de suas cidades “Contra o Racismo e a Violência e pelo Bem Viver, para que o direito de vivermos livres de discriminações seja assegurado em todas as etapas de nossas vidas.”

O Julho das Pretas é uma estratégia de comemoração do 25 de Julho – Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, com ações voltadas para denúncia do racismo, a proposição de políticas públicas e o fortalecimento das organizações de mulheres negras. As ações do Julho das Pretas trouxeram temas importantes e necessários relacionados à superação das desigualdades de gênero e raça, colocando em pauta a agenda política das mulheres negras.

Agora em 2020, o tema do Julho das Pretas é “Em Defesa das Vidas Negras, pelo Bem Viver”, mantendo as ações de denúncia sobre as políticas de morte provocadas pelo racismo estrutural, base do capitalismo mundial. As mulheres negras organizadas no Brasil, articuladas com o contexto internacional, definiram a defesa das Vidas Negras como pauta prioritária da luta política, em consonância com a construção de outro modelo civilizatório centrado no Bem Viver.

Situação das Mulheres Negras no Brasil

As mulheres negras são cerca de 28% do total da população brasileira, ou seja, constituem o maior contingente populacional do país. Vivenciam a face mais perversa da intersecção entre as discriminações de raça, gênero e classe. Os indicadores socioeconômicos apontam permanentemente as precárias condições em que a grande maioria vive.

Essa desigualdade não é à toa. O racismo e o sexismo fazem parte da estrutura da sociedade capitalista, sendo necessários para sua manutenção. O estado brasileiro se fundou econômica e estruturalmente a partir do sistema escravagista que durou mais de 300 anos. Até hoje as marcas da escravidão permanecem e determinam todas as relações sociais, econômicas e políticas em nossa sociedade.

No decurso diário de suas vidas, as mulheres negras confrontam a forjada superioridade do componente racial branco, do patriarcado e do sexismo, que fundamentam e dinamizam um sistema de opressões que impõe, a cada mulher negra, a luta pela própria sobrevivência, de sua família e de sua comunidade. Enfrentam situações concretas de desigualdade no mundo do trabalho, da economia e da política.

Violência

De acordo com o Atlas da Violência 2019 (IPEA/FBSP), a cada duas horas, uma mulher é assassinada no Brasil. São cerca de 13 mulheres por dia. Entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios contra mulheres no país subiu 30,7%. Nesse mesmo período, a taxa de homicídios contra mulheres negras cresceu 29,9% e entre não-negra cresceu 1,6%. Em números absolutos, a diferença é ainda mais brutal: entre não negras o número cresceu 1,7% e entre negras 60,5%. As mulheres negras constituíam 66% do total de mulheres vítimas de homicídio.

Mulheres negras são também maioria em todas as manifestações de violência sexista: são 51% das que sofrem violência sexual, maioria entre as que são agredidas nas ruas, maioria entre as que sofrem assédio. As denúncias ao 180 aumentaram cerca de 40% no período da pandemia.

A cada 23 minutos uma mãe preta fica de luto” e o Brasil segue com uma taxa de 43,1 assassinatos por 100 mil pessoas, sendo 73,1% dos homicídios contra homens e de 63,4% contra as mulheres negras . O genocídio da juventude negra mata nosso futuro.

A maior parte dos encarcerados no Brasil são negros. Segundo o Mapa do Encarceramento Jovem no Brasil, ao menos 58% do total de jovens no sistema prisional são negros, sendo a taxa de encarceramento de jovens negros 1,5 vez maior que a de jovens brancos. No caso das mulheres essa porcentagem é ainda maior, 68% das mulheres em privação de liberdade são negras.3

Políticas de enfrentamento à Violência contra Mulher tem se mostrado pouco efetivas para a proteção de mulheres negras, aliás, o Estado é pouco efetivo para a proteção dessas mulheres, muitas vezes, é inclusive o algoz, agindo como mantenedor dessa violência – ao não enfrentá-la de maneira efetiva. A exemplo disso o Estado é ainda perpetuador da violência obstétrica, que impacta majoritariamente mulheres negras e que se agravou na pandemia, em função das restrições as quais foram submetidas.

Mercado de Trabalho e Proteção Social

Quando analisados os rendimentos auferidos pelo trabalho no Brasil, é possível constatar que uma mulher negra ganha em torno de 44% dos rendimentos de um homem branco, 58,6% em relação às mulheres brancas e 79,1% em relação a homens negros. Já a taxa de desemprego entre as mulheres negras é de 16,6%, a maior a partir da segmentação por gênero e raça. Homens brancos, por exemplo, tem uma taxa de desemprego que corresponde à metade disso, 8,3%. Sobre a ocupação informal, do total de mulheres, as mulheres negras representam 47,8% em comparação com 34,7% de mulheres brancas.

A reforma da Previdência afetará de maneira aguda as mulheres negras, por serem maioria na informalidade e por manterem quase sempre uma relação descontínua no mercado de trabalho e por relações de trabalho mais precarizadas como são os casos de contratos intermitentes, a exemplo das mulheres negras que estão no setor de serviços como telemarketing, vendas e comércio. São elas as responsáveis, muitas vezes sozinhas, pela criação de filhos, na luta por creche, na responsabilidade do trabalho, por atravessar a cidade de transporte público. Um grande número de mulheres negras não tem qualquer condição de contribuir com o INSS. A reforma trabalhista flexibilizou os direitos, liberou a terceirização e afastou as pessoas de buscarem suas reparações na Justiça do Trabalho. Isso afeta diretamente as mulheres negras.

As trabalhadoras domésticas são uma categoria estratégica e emblemática entre as mulheres negras. Em 2018, havia no país 6,23 milhões de pessoas ocupadas na atividade, segundo dados da Pnad Contínua. Desse total, apenas 457 mil eram homens e 5,77 milhões eram mulheres, ou seja, as mulheres correspondiam a 92,7% da categoria. Do total de trabalhadoras, 3,75 milhões eram negras e 2,018 milhões não negras. As mulheres negras, portanto, representavam 65,0% do contingente de domésticas no país.

Educação

Apenas 66,7% das mulheres negras concluíram o ensino médio versus 81,2% das mulheres brancas. Os homens brancos somam 70,4% dos que concluíram.. Apenas os homens negros têm uma taxa menor, com 55,8%.

Já em relação ao ensino superior (completo ou incompleto), apenas 15,2% dos homens negros, acessaram a universidade, contra 29,4% dos homens brancos. E 20,6% das mulheres negras, contra 38,9% das mulheres brancas .

Aprofundamento das desigualdades na Pandemia

A crise gerada pela pandemia da Covid-19 agravou as desigualdades já existentes no país, desnudando e aprofundando uma realidade há muito denunciada pelos movimentos negros e de mulheres.

O enorme contingente de trabalhadores e trabalhadoras informais (cerca de 70% negros/as) se viu diante da necessidade de permanecer em casa, ficando sem suas possibilidades de geração de renda, o que empurrou essas famílias para a fome e a miséria.

Inúmeras categorias de trabalhadores de maioria negra ficaram mais expostas aos riscos da pandemia que outras, tais como maqueiros, policiais e outras forças de segurança, pessoal de limpeza e técnicos e auxiliares de enfermagem (essas duas últimas com grande presença de mulheres negras). O acesso a Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) foi desigual, exigindo de várias categorias uma forte luta para garantir o acesso adequado e suficiente a quem necessita.

As precárias condições de moradia, a falta de acesso à água e ao saneamento básico também ficaram mais evidentes durante a pandemia, ainda que não sejam problemas novos. A cor da população que mora em áreas de risco, nas periferias e favelas que vivem em eterno racionamento de água é negra. São as mulheres negras as responsáveis pelo abastecimento de água em seus lares, e atravessam madrugadas esperando pelo abençoado líquido para dar conta de seus diversos afazeres domésticos. Isso se torna ainda mais grave, quando consideramos que a água é um fator fundamental para as estratégias de prevenção ao coronavírus estabelecidas pelas autoridades sanitárias.

As imensas disparidades em saúde, aprofundadas de maneira brutal durante a pandemia, não são novidades e esse período serviu, inclusive, para mostrar à sociedade de maneira mais explícita os resultados do longo processo de privatização da saúde e sucateamento do SUS , além dos impactos da emenda constitucional do teto dos gastos, que privou o SUS de receber, desde 2016, cerca de 29 bilhões de reais. Sendo as mulheres aquelas sobre as quais recaem as tarefas de cuidar de crianças, idosos e das pessoas doentes, é perceptível que essas disparidades afetam dramaticamente as mulheres negras.

Força política e protagonismo das mulheres negras na luta contra o racismo e nas demais lutas prioritárias para a população negra

Nós, mulheres negras, temos enfrentado sistematicamente o desafio de confrontar e desconstruir os lugares e papéis de subalternidade a nós destinados pelo racismo e pelo sexismo.

A participação efetiva das mulheres negras nas lutas pelo direito à vida e à dignidade humana da população negra acontece desde sempre. Ainda hoje, muitas pautas são as mesmas de antes sobre direitos à saúde, educação, moradia digna, terra e espaço de representação política.

Em verdade, reconhecemos avanços, até porque fomos nós que construímos e implementamos as estratégias de políticas de promoção da igualdade e de enfrentamento ao racismo, adentrando as universidades, nos tornando pesquisadoras, professoras e gestoras, especialistas em diversas áreas do conhecimento. E, com um olhar interseccional, levamos as nossas demandas para dentro das políticas de igualdade racial e de políticas para as mulheres.

Por dentro do movimento feminista, estabelecemos um novo olhar feminista e antirracista que busca integrar tanto a tradição de luta do movimento negro como a tradição de luta do movimento de mulheres, cunhando uma nova identidade política baseada no ser mulher negra.

Democracia e Participação Política

No que tange ao debate sobre a democracia, é necessário reconhecer que há inúmeras lacunas no modelo brasileiro, e que estas afetam diferentemente homens e mulheres, brancos e brancas, negros e negras; isso sem citar outras dinâmicas de discriminação que se impõem a diversos segmentos que compõem a sociedade, como as juventudes, LGBTI+, os pobres…

O Brasil viveu menos de ¼ de sua história sem a presença da escravidão. A herança das relações estabelecidas no modelo escravocrata está no imaginário da sociedade brasileira. O Estado brasileiro se constituiu sobre bases racistas e patriarcais. O lugar das mulheres, e das negras, em especial, nunca foi a vida pública.

Por outro lado, as questões de gênero e de raça têm ocupado cada vez mais espaço nas pautas políticas de partidos dos mais diversos matizes, de gestores e órgãos das diferentes esferas de governo, assim como do poder legislativo.

As mulheres negras têm menor acesso a recursos partidários e enfrentam maiores dificuldades do que as brancas para se elegerem. Soma-se a isto os efeitos da divisão sexual do trabalho, o que muito explica a baixa participação política das mulheres. O acúmulo das tarefas domésticas, somadas ao trabalho remunerado, ao investimento nos estudos e às tarefas da militância, torna praticamente impossível para as mulheres se dedicarem à política partidária, que é hoje o único canal para se chegar ao legislativo. No caso das mulheres negras, a esse conjunto de fatores é acrescido todo o arcabouço racista das relações estabelecidas dentro dos partidos.

Marielle Franco, quando eleita, dizia que não poderia esperar outros dez anos para outra mulher negra chegar no mesmo lugar que ela. Em 2018, o PSOL transformando o luto em luta deu um verdadeiro salto na eleição de diversas mulheres negras para o parlamento em diferentes estados. Estas mulheres possuem atuações importantíssimas, fruto da trajetória de quem tem a cara, o corpo e a vida igual a maior parte da população deste país. Os resultados das eleições de 2018 revelaram a enorme força política das mulheres negras pelo Brasil afora, com o crescimento de 30% da bancada de mulheres negras nas últimas eleições. E, na continuidade dessa movimentação política de tão grande potência, saudamos neste 2020 as inúmeras candidaturas de mulheres e homens negros, indígenas, representantes dos povos tradicionais quilombolas e de matriz africana que estão em plena construção e ebulição por todo o país!

Queremos uma democracia que não se resuma ao voto a cada dois anos. Queremos uma democracia que não seja apenas o direito de falar, mas também o direito de ser escutado e de construir e decidir conjuntamente os rumos do país. O futuro é das mulheres e homens pretos, indígenas, das juventudes, do movimento LGBTQI+, o futuro é de todos que, a cada dia, se comprometem a romper com as desigualdades históricas sofridas pelo povo.

As mulheres negras também impulsionam processos de resistência com seus corpos através de várias ações territoriais de enfrentamento à pandemia. Movimentos de mulheres em comunidades de todo Brasil tiveram importante papel na construção do laço social, que substituiu o medo e o sentimento de injustiça por solidariedade e são hoje o motor que possibilita às mães de Miguel seguir adiante.

No chão das cidades, que é onde se dá o cotidiano da vida das pessoas, as mulheres negras têm construído formas de resistência e de existência para si, para os seus, para suas comunidades e para toda a sociedade e é nesse chão que devemos seguir construindo nosso futuro, para nós e para todos que virão.

Avante Pretas! Este Julho e este 2020 é todo nosso!

Andreia de Jesus
Áurea Carolina
Dani Monteiro
Erika Hilton
Erica Malunguinho
Jô Cavalcanti
Kátia Cunha
Mônica Francisco
Mônica Seixas
Renata Souza
Robeyoncé Lima
Talíria Petrone