(Direito de Resposta de Chico Alencar publicado no Diário do Rio em 02/03/2021)

No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.” Recorro a um trecho do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade para questionar: Poder Público que se preze ergue obstáculos?

Em seu editorial publicado neste domingo (28/02), o jornal DIÁRIO DO RIO afirma que o Projeto de Lei nº 41/2021, de minha autoria, que proíbe a arquitetura urbana hostil no Rio (instalação de pedras e/ou grades embaixo de viadutos para coibir a presença de pessoas em situação de rua, por exemplo), seria uma forma de “glamourizar moradores de rua”. Basta ler a argumentação do nosso projeto de lei para perceber que se trata justamente do oposto.

É evidente que ninguém quer que seja normalizada (e muito menos “glamourizada”) o fato de existirem pessoas em situação de rua. Estima-se que, atualmente, 17 mil pessoas (sobre)vivam nestas condições na cidade. É uma tragédia humana que assola as sociedades e, em especial, o Brasil e o nosso Rio de Janeiro, devido ao alto grau de degradação econômica, ética e de desigualdades.

Nosso projeto de lei busca evitar que o Poder Público trate moradores de rua como pessoas cada vez mais inviabilizadas, estigmatizando-as como indivíduos à margem da sociedade. Não é por meio de pedregulhos, hastes de metal, cacos de vidro, grades e objetos semelhantes que a Administração Pública deve tratar as pessoas em situação de rua. Ou, por acaso, tal prática é aceitável? Isso está longe de ser “glamourização”.

Em vez de gastar dinheiro público com práticas higienistas, o correto seria o Executivo Municipal investir em políticas públicas continuadas de assistência social, melhoria das condições dos abrigos, expansão da rede de proteção social, educação, capacitação e geração de emprego e renda para emancipar essas pessoas historicamente invisibilizadas.

A inspiração para a criação do PL no Rio surgiu da corajosa atuação do padre Júlio Lancelotti em São Paulo. Imagens do pároco martelando as pedras do abandono, do descaso e da falta de humanidade embaixo de viadutos na capital paulista viralizaram mundo afora e causaram indignação. Nosso mandato foi em busca de relatos semelhantes aqui no Rio. Encontramos traços dessa (anti)política higienista em diversos bairros: Av. Brasil (Maré, Ramos, acesso à Ilha do Governador e Bangu), Méier, Freguesia (viaduto da Linha Amarela), Barra da Tijuca (Ponte Lúcio Costa), Cidade Nova, Laranjeiras (viadutos Jardel Filho e Engenheiro Noronha) e Aterro do Flamengo.

Cobramos caminhos! Queremos derrubar muros e retirar pedras.