(artigo de Monica Benicio publicado na Folha de São Paulo)

 

Em menos de um mês, Viviane Arronenze, Bianca Lourenço, Natália Fonseca e Rafaella Horsth foram assassinadas por serem mulheres no estado do Rio de Janeiro. Não é por acaso que sentimos medo. Ano após ano temos convivido com essa situação brutal, uma verdadeira pandemia de feminicídio.

 

Vivenciamos cotidianamente diversos tipos de violências nas cidades brasileiras, profundamente marcadas por machismo, racismo e desigualdade social: violência doméstica, assédio sexual e moral, desigualdade salarial, violência obstétrica, cultura de estupro e LGBTfobia são alguns exemplos.

 

Os números são assustadores. A cada dia, 352 mulheres são vítimas de violência doméstica e familiar no estado do Rio —e 68,2% das mulheres vítimas de ​feminicídio são negras. Em média, 4 mulheres e 8 meninas são vítimas de estupros a cada dia (Dossiê Mulher 2020; Instituto de Segurança Pública – ISP/RJ).

 

Em paralelo a isso, vemos um ambiente urbano extremamente hostil às trabalhadoras. Segundo Lucas Faulhaber e Lena Azevedo no livro “Remoções no Rio de Janeiro Olímpico”, entre 2009 e 2014 nada menos que 22 mil famílias foram expulsas de seus lares no contexto dos megaeventos esportivos, sendo reassentadas majoritariamente em áreas marcadas pela insuficiência de serviços públicos e com altos índices de violência contra as mulheres, de acordo com o ISP/RJ.

 

A sociedade e o Estado precisam se responsabilizar pelo enfrentamento dessa realidade. Não é uma tarefa fácil, mas urge construir várias frentes de luta que apontem para soluções reais, de curto a longo prazo. Como vereadora e arquiteta urbanista, chamo a atenção para a necessidade de construirmos cidades seguras para as mulheres.

 

A política urbana, tal como é gerida, tem sido um elemento de aprofundamento das violações dos direitos das mulheres. A insuficiência da rede de atendimento às mulheres; o desmonte dos serviços de atendimento a meninas e mulheres vítimas de violência sexual; as tentativas de vetar as discussões sobre gênero na escola; a precarização do SUS e do Suas (Sistema Único de Assistência Social); a falta de creches; e a ausência de moradias adequadas e acessíveis às mulheres mais pobres e suas famílias são alguns dos elementos centrais desse debate, agravados ainda pela pandemia de Covid-19 e pela crise econômica.

 

Precisamos que as políticas públicas sejam concebidas de forma integrada, incorporando a perspectiva das mulheres de forma transversal, na habitação, na mobilidade, no trabalho e na geração de renda, na educação e na saúde.

 

Pensar em uma cidade segura para as mulheres é pensar como a falta de iluminação nas ruas, a escassez de transporte público, a vulnerabilidade ao assédio e os pontos de ônibus precários e mal localizados podem implicar situações de violência e medo cotidiano. É extrapolar a visão de mobilidade urbana focada exclusivamente no transporte “casa-trabalho”, que dificulta os percursos diários e diversos das mulheres, socialmente responsabilizadas pelo cuidado das crianças e dos idosos.

 

Esse é o nosso desafio: pensar de forma ampla as políticas necessárias para que o Rio de Janeiro se torne uma cidade segura para todas as mulheres.