Por Thais Ferreira, vereadora PSOL Carioca. Originalmente publicado na Folha de São Paulo
Foto: Clarice Lissovsky
Pobreza e violência se reproduzem há séculos sem a intervenção do Estado
A história do Jacarezinho nos remete aos tempos do Império. Até o século 18, toda a região onde hoje se localiza a favela carioca era uma fazenda de missionários jesuítas, que acabaram expulsos pela corte portuguesa, dando lugar a um loteamento de terras para grandes engenhos que faziam o uso da mão de obra de negros e índios escravizados.
Em 1808, com a mudança da família real para o Rio de Janeiro e a sua consequente instalação no casarão de um mercador de escravos na Quinta da Boa Vista, houve um impulso ao desenvolvimento da região que se situava no entorno do que se tornaria o novo Palácio Real —inclusive a então comarca do Engenho Novo, a qual pertencia o Jacarezinho. Os negros que conseguiam escapar das fazendas dessa região geralmente se abrigavam em grutas na mata.
A região do Jacarezinho cresceu, portanto, como diversas outras na cidade: como um quilombo urbano, primeiramente na parte alta do morro, hoje conhecida como Azul, para dificultar as incursões dos capitães do mato, e depois as da Polícia Militar criada pela Coroa. Aos poucos, foi recebendo os desabrigados de sucessivos projetos urbanísticos com remoção das habitações de pessoas pobres nos bairros centrais da cidade.
No período da República houve a instalação de indústrias nos arredores, mas os empregos foram oferecidos prioritariamente para imigrantes europeus e católicos que tinham o apoio do Estado para povoar e “clarear” o país. No final da segunda metade do século, o declínio dessas indústrias, a exemplo do polo de São Cristóvão, levou à pobreza extrema uma parcela considerável. Os mais afetados foram os negros, que ocupavam tarefas no trabalho informal, precário, muitas vezes em “bicos” ou fazendo escambo ao redor da linha do trem.
Em 2010, o IBGE demonstrou que, dos 160 bairros da capital fluminense, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Jacarezinho era o quarto pior da lista. A métrica envolve análise de renda, escolaridade, condições de moradia e expectativa de vida, entre outros dados.
Olhando essa história, notamos que a última operação policial, que resultou em uma chacina na favela, virá se somar a diversas outras. Virá acrescentar continuidade à história dos ossos disponíveis para visitação na Capela das Almas, construída na região do Jacarezinho em memória dos que foram assassinados nos quilombos da região.
A pobreza e a violência vêm se reproduzindo neste território há pelo menos três séculos sem que o Estado intervenha para garantir o desenvolvimento econômico sustentado, com oportunidades de formação educacional, empregos e infraestrutura de moradia.
Está na hora de dizer basta! Não podemos mais falhar em modificar a perspectiva racista que vem perpetuando as tragédias sociais nesta localidade. Temos um pacto social pendente. O Rio de Janeiro não será bom para ninguém enquanto no Jacarezinho o único braço do poder público presente for a tropa de elite da polícia.