Por Juan Leal e William Siri*
A cada ano, estabelecemos um novo recorde de emissão e concentração de gases de efeito estufa na Terra. Atualmente, a atmosfera do planeta concentra a maior quantidade de CO2 em quase 15 milhões de anos. O cenário alarmante vem sendo denunciado em detalhes por diversas organizações e movimentos sociais, a despeito da grande indústria, e dos negacionistas e lunáticos terraplanistas. Na origem do problema, está o próprio modelo produtivo capitalista e a acumulação de capital em sua ávida busca pelo lucro. As mudanças climáticas em todas as suas manifestações – os desmatamentos, as queimadas, a contaminação das águas, o aumento do nível do mar, a poluição do ar – não são simplesmente efeitos da atividade humana, como se a destruição massiva do planeta fosse um ímpeto natural do ser humano, mas sim efeitos do capitalismo.
Diante de crises que produz, o capitalismo possui uma extraordinária capacidade de se reinventar e encontrar saídas, mas nunca comprometendo sua estrutura primordial, ou seja, sem colocar em xeque os lucros de sua classe dominante. As saídas são sempre portas de entrada para novas crises, novas contradições. A maneira de lidar com a crise climática é um bom exemplo de como o sistema globalizado encontra formas de cooperação para se livrar dos riscos de ter que promover mudanças radicais que possam prejudicar sua lógica acumulativa. Se por um lado alguns governos da Europa pressionaram para que a indústria global reduzisse a emissão de CO2, os EUA – que figuraram no topo da lista de maiores poluentes por mais 160 anos – fizeram pressão contrária e reivindicaram flexibilizações nos acordos internacionais para não comprometer suas principais atividades produtivas. O setor secundário já não é mais a principal atividade econômica europeia, enquanto EUA, China e Japão passaram a liderar o ranking. Essa equação associada à política de investimento em países em desenvolvimento produziu, entre outros acordos, a chamada “compensação de carbono”.
Em resumo, a proposta acordada no Protocolo de Kyoto, em 1997, consiste em uma troca entre um que polui e outro que pretende preservar: um investimento na preservação de uma determinada área ambiental pode servir como autorização para que a outra parte possa continuar poluindo sem respeitar a meta de emissão de gases de efeito estufa. Por exemplo, se um país decide se esforçar para reduzir o desmatamento, ele pode obter créditos de carbono e comercializar com outro país que pretenda fazer um investimento industrial que aumente a emissão de dióxido de carbono.
Não bastasse a ineficácia estrutural do mecanismo, o que se observou no mundo foi a impossibilidade de mensurar os resultados da compensação de carbono, além da enorme dificuldade de garantir que os projetos que receberam investimento mantenham a preservação por tempo suficiente para gerar algum resultado. De acordo com o relatório da União Europeia, 85% das compensações tinha “baixa probabilidade” de criar impactos reais, o que gerou o fim da aceitação de grande parte dos créditos no bloco europeu. Por outro lado, o mecanismo virou um negócio lucrativo para a especulação, já que mais créditos são gerados conforme a previsão de aumento de desmatamento e poluição. A previsão de aumento do desmatamento passou a se tonar uma moeda valiosa.
Mesmo diante dessas condições nebulosas, a cidade do Rio de Janeiro está prestes a embarcar no negócio. Um projeto de lei que altera o código tributário municipal e cria o programa “ISS Neutro” tem sido considerado como uma prioridade para o prefeito Eduardo Paes. O programa prevê um fomento de R$60 milhões ao ano para compradores de créditos de carbono, isto é, para empresas poluentes. A prefeitura não estabelece nenhum parâmetro para garantir que os projetos que serão financiados para compensar a emissão de poluentes sejam executados na cidade do Rio, tampouco traça nenhuma política pública de preservação e proteção do meio ambiente. Tudo indica que a prioridade de Paes é estimular o mercado financeiro.
A cidade do Rio de Janeiro, segundo estudo do Observatório do Clima, é a capital com a pior qualidade do ar e figura entre as 7 maiores poluidoras do país. A capital não é o melhor exemplo de políticas socioambientais. Apesar de acumular diversas reservas que compõem o bioma da Mata Atlântica, a cidade ainda apresenta um modelo de transporte público extremamente poluente, com a utilização de matrizes energéticas que colocam o Rio na terceira colocação em emissão de dióxido de carbono: mais de 5,6 milhões de toneladas em 2019. No tratamento de resíduos, a cidade amarga o topo do ranking nacional, à frente até de São Paulo, mesmo tendo quase a metade da população da capital paulista.
Nesse cenário, não há dúvidas de que a premiação para empresas poluentes, a partir de um mecanismo com pouco controle, está longe de contribuir para os avanços da política socioambiental carioca. Ainda que os processos de negociação de metas e mecanismos se deem pelas nações em espaços internacionais, as cidades cumprem um papel fundamental na execução de políticas que deem tratamento adequado aos resíduos, que repensem os modelos de transporte e suas matrizes energéticas e reformulem os processos industriais. E as discussões e formulações das políticas socioambientais precisam, necessariamente, se desenvolver em espaços participativos, democráticos, com centralidade para os movimentos e organizações da sociedade civil que estão formulando a partir das lutas.
Não são poucos os fóruns populares que vêm acumulando sobre o tema, mas com quase nenhum espaço junto à prefeitura. Radicalizar – ir à raiz – na forma e no conteúdo é tratar a discussão com seriedade. A pressa da prefeitura em aprovar o projeto só demonstra a pouca capacidade de diálogo com a sociedade e em nada contribuirá para encontrar as soluções reais para o profundo problema que enfrentamos enquanto humanidade. No final, a conclusão é que, nas disputas por redução de danos das políticas públicas, duas afirmações parecem se comprovar: não existe planeta B, tampouco saída definitiva por dentro desse modelo capitalista exploratório e nada democrático.
*Juan Leal é presidente do PSOL Carioca e Willian Siri é vereador da cidade do Rio pelo PSOL.