Por Marielle Franco

“Eu não sou mulher, não sou negro e não sou favelado. É por isso que votarei em você, Marielle”. Essa foi a declaração de voto que mais me inspirou durante a campanha eleitoral para vereadora do Rio de Janeiro. Mas essa frase, ao mesmo tempo que dá credibilidade e legitimidade às nossas propostas e ao simbolismo de nossa representação política, também é desafiadora. Tanto que as pessoas teimam em perguntar: Como explicar os 46.502 votos? Ainda é “prematuro” apresentar uma avaliação que traga uma resposta “concluída”, com o mapa eleitoral cruzado com a diluição da campanha pela cidade. Mas há pistas que permite uma qualificada análise inicial.

Um dos elementos que nos ajuda a pensar é o gargalo que existe entre a política institucional e a participação das pessoas nos espaços de decisão. Sim, trata-se da tal representatividade que a conjuntura política exige. Com a campanha foi possível colocar em foco a delegação da representação, criando expectativa do exercício do mandato institucional manter a mesma proximidade que levaram aos mais de 46 mil votos.

As minhas identidades, enquanto feminista, negra e cria da favela foram ressaltadas na campanha, porque é o que me compõe enquanto sujeita política e humana. São a partir dessas vivências, por vezes subjugadas por nossa sociedade predominantemente machista, racista e desigual, que experimento a cidade em sua complexidade. E nosso programa, nossas propostas e o simbolismo ético e estético se apresentaram cerzindo debates e identificações com essas especificidades.

Trata-se de diferenças e alternativas políticas em um quadrante no qual o conservadorismo, principalmente nas Casas Legislativas, amplia-se. Lideradas por homens brancos, que, na maioria das vezes, colocam suas opções religiosas acima dos interesses públicos, as casas parlamentares, no ano de 2015, notabilizaram-se por atentados aos direitos das mulheres. No âmbito federal, o projeto de lei 5.069 de Eduardo Cunha buscou criminalizar ainda mais as mulheres que sofrerem aborto. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro foi criada uma CPI do Aborto que tentou fazer com que todos os hospitais que recebessem mulheres com quadro de aborto, natural ou não, notificassem à polícia. A repulsa e a onda de protestos contra a tentativas de legislar sobre o corpo das mulheres ecoaram por todo o Brasil e mexeram nessas eleições. Como contradição desse processo, um dos quadros visíveis foi a enxurrada de votos em candidatas declaradamente feministas, como Áurea Carolina, a mais votada na capital mineira com 17.420 votos e Talíria Petrone, a mais votada em Niterói, com 5.121 votos. Ambas do PSOL.

No Rio, recebemos votos do Jardim Botânico à Maré. Sim, a classe média alta votou em nossa proposta. Nossos votos não estão geolocalizados nas favelas e nos confirmaram como uma parlamentar da cidade e não de um “distrito” específico. Mas o Ubuntu regeu a nossa campanha. De qualquer forma, é possível acreditar que são pessoas que estão distantes da política institucional e nos enxergaram como uma aproximação democrática. Esse foi um desafio que nos fortaleceu no trilho junto ao Freixo, o que também foi uma das marcas de identidade das campanhas proporcionais e majoritária. Chegamos ao segundo turno e conquistamos a segunda maior bancada para a próxima legislatura na Câmara do Rio. Os votos nas urnas expressam vitórias política, simbólica e programática.

Eu sou vereadora porque nós somos necessárias.

#MulherNaPolítica
#MarielleVereadora
#NovembroNegro

*Vereadora eleita pelo PSOL Carioca em 2016.

Publicado em 31/10/2016 no blog #AGORAÉQUESÃOELAS do Jornal Folha de São Paulo