Eleita vereadora com mais de 46 mil votos, Marielle Franco, escreve artigo para a seção “Outra Opinião”, de O Globo. Ela discorre sobre o tema: Participação da Guarda Municipal em ações de segurança.

Nos primeiros dias de gestão do prefeito Crivella, chama a atenção o Decreto 42.759, que determina à Secretaria Municipal de Ordem Pública a apresentação de um plano da Guarda Municipal para o patrulhamento do espaço público. A decisão indica que, até 2018, cerca de 80% do efetivo estejam em operações de policiamento comunitário e vigilância ostensiva, em áreas de índice elevado de criminalidade. Não seria esta uma tentativa de desvio de função para uma Guarda Municipal policialesca?

Parece um singelo decreto, mas a Lei Complementar 100, que extinguiu a Empresa Municipal de Segurança e criou a autarquia Guarda Municipal nos esclarece alguns pontos. No Capítulo I (Da Criação, Natureza e Finalidade), inciso XII do Art. 2°, que enumera suas funções institucionais como “vigiar os espaços públicos, tornando-os mais seguros em colaboração com os órgãos responsáveis pela segurança pública em nível federal ou estadual”. O texto não deixa dúvidas: a GM é colaboradora da Segurança Pública.

O decreto seguinte, de número 42.760, estabelece uma parceria com a Força Nacional de Segurança e o Corpo de Fuzileiros Navais para treinar a GM. Algumas experiências envolvendo essas corporações precisam ser pontuadas. Nos anos de 2011 e 2014, respectivamente, dois jovens morreram em treinamentos do Corpo de Fuzileiros, e até hoje não há clareza sobre as circunstâncias dessas mortes. São treinos de guerra para eliminar o inimigo. Quem é o inimigo da cidade?

Com relação à Força Nacional, é importante recordar que suas passagens pelo Rio deixaram rastros de sangue. Em 2007, uma megaoperação no Complexo do Alemão deixou 19 pessoas mortas, com indícios de execução sumária. Em 2014, um efetivo de 2.700 integrantes das Forças Armadas e Nacional ocupou a Maré por mais de um ano. O custo para o Estado foi de R$ 560 milhões e, para a população, um saldo de denúncias de agressão e abuso de poder, além de dezenas de civis serem encaminhados para julgamento na Justiça Militar. À época, moradores e entidades de Direitos Humanos qualificaram a ocupação como violadora do estado democrático de direito.

Além dessas ações militarizadas e desastrosas, o cenário nacional de crise política e econômica já apresenta 13 milhões de desempregados. É inevitável o crescimento do trabalho informal e precarizado. No Rio pós-megaeventos os efeitos já são visíveis. A Guarda Municipal é utilizada para a máxima repressão aos camelôs e ambulantes, inclusive já usou armas menos letais. Será que para Crivella o enfrentamento desse cenário é a preparação de uma Guarda Municipal pronta para guerrear em ruas, becos e vielas? A Polícia Militar já faz o policiamento comunitário e a vigilância ostensiva. Em vez de sugerir um claro desvio de função, as ações deveriam ser para garantir melhores condições de trabalho dos agentes, aumento de seus rendimentos e efetivo. A Guarda Municipal não pode ser polícia e usar a irracional lógica da guerra na cidade.

Marielle Franco é vereadora (PSOL) no Rio