Um pastor evangélico que defende os direitos de negras e negros, mulheres, LGBTs e que luta contra o capitalismo e a mercantilização da fé. Henrique Vieira quebra muitos preconceitos e coloca o debate sobre a relação entre religião e política numa relação direta com as demais disputas da sociedade: a luta contra as opressões e a exploração. Nessa entrevista ao Psol Carioca, Henrique fala sobre tolerância religiosa, democracia e a face revolucionária de Jesus Cristo.

Assim como é condenável o fundamentalismo religioso, faz-se extremamente necessário romper com o preconceito religioso e ver que a religião pode e deve trazer uma conexão com uma humanidade plena. Esse é o recado dessa entrevista.

Psol Carioca: Em primeiro lugar, gostaríamos de saber qual o principal desafio hoje para combatermos a intolerância religiosa?

Henrique Vieira: O principal desafio é demonstrarmos o quanto a intolerância religiosa é, no limite, uma profunda contradição com a experiência religiosa. Tal experiência tem como pano de fundo a busca por uma humanidade plena, religada com toda sua potência de vida. Todas as religiões, de alguma maneira, participam dessa busca. Sendo assim a prática fundamentalista ou extremista acaba sendo mais um impeditivo para uma humanidade mais plena, pois gera intolerância, ódio e violência ao longo da história. Uma profunda contradição!

Psol Carioca: Como você analisa a atuação de alguns setores religiosos na política apoiando a retirada de direitos, a propagação de preconceitos e o controle de liberdades? Como você vê esse cenário?

Henrique Vieira: De fato existem grupos fundamentalistas e extremistas que se utilizam da política para impor sua doutrina religiosa ao conjunto da sociedade. Trata-se de uma perspectiva autoritária, avessa à diversidade e ao Estado laico, constituindo-se como um projeto de poder que ataca a Democracia. Tais setores se demonstram indiferentes à luta do povo para sobreviver, dos trabalhadores e das trabalhadoras pelos seus direitos, mas estabelecem uma agenda de ataques sistemáticos aos direitos de mulheres, lgbts, indígenas, quilombolas, indígenas, dentre outros grupos. É uma política feita com vazio de amor, sensibilidade e compromisso real com a dignidade humana.

Psol Carioca: Como você acredita que pode se dar a relação entre fé e política? Elas são excludentes?

Henrique Vieira: Fé e política não são excludentes. O problema está quando se utiliza a política para impor à sociedade uma doutrina religiosa. Nisso há desrespeito à diversidade e ao Estado laico. Esse tipo de relação é nefasta para a democracia. Contudo é possível que a fé seja também uma inspiração para uma ação política voltada para o bem comum, para a defesa dos oprimidos, para o combate às opressões, para cuidado com a Natureza. O projeto de confinar a religião ao espaço privado, sem interferência política, no limite é um projeto capitalista. Acredito que as religiões devem participar da arena política da sociedade, na defesa dos pobres e dos oprimidos da terra. Isso nada tem a ver com aparelhamento do Estado e imposição doutrinária.

Psol Carioca: Você evoca em muitas falas a face revolucionária de Jesus Cristo. Fala um pouco como esse Jesus pode se relacionar inclusive com as religiões não cristãs.

Henrique Vieira: Jesus não é monopólio do cristianismo, Andou com os pobres e oprimidos, denunciou o acúmulo de riquezas, superou preconceitos culturais, desafiou as estruturas políticas do Império Romano, impediu processos de execução, desautorizou práticas vingativas e de violência. Por seu caráter subversivo, foi preso, torturado e assassinado pelo Império Romano, por solicitação de lideranças religiosas que o chamavam de herege. Jesus, portanto, foi um prisioneiro político. Ele também superou uma perspectiva exclusivista da fé e percebeu as manifestações de Deus para além de seu povo. Enfim, é possível se inspirar em Jesus para combater a intolerância e estimular o diálogo interreligioso. Jesus não está restrito ao imaginário eurocêntrico, branco, patriarcal, heteronormativo, ocidental e colonizador. Creio que as pistas deixadas por sua vida nos levam a implodir todo esquema econômico e cultural que maltrata e oprime a dignidade humana.

Psol Carioca: Em tempos de ódio, qual recado você gostaria de deixar tanto para os que têm religião, quanto para os que não têm?

Henrique Vieira: O amor é uma atitude política revolucionária. O amor não privatizado, individualizado, romanceado, alienado. Certas palavras de tão ditas, tornam-se banais. Amor é aquilo que nos liga à tudo que existe, o que nos faz chorar a dor do mundo como nosso mundo de dor, o que nos faz nascer e morrer com a humanidade. O amor tem conteúdo ético. O amor exige plenitude de vida, logo não pode conviver com a desigualdade social, o racismo, o machismo, a lgbtfobia, a destruição da natureza, o massacre sobre os pobres. O amor dilata o coração, amplia o olhar, humaniza as relações, promove o perdão, disciplina a vaidade. Então o recado é esse: que possamos viver a integridade e o conteúdo ético do amor, isso certamente melhora a vida, transforma nosso ser e revoluciona o mundo!