Enquanto o estado matava mais cinco pessoas na favela da Maré, uma mãe de Manguinhos tombava em seu desespero. Janaína Soares teve seu óbito confirmado na manhã de ontem, mas sua vida já havia se perdido há mais tempo. Seu pequeno Christian foi levado de seus braços antes. Ele tinha 13 anos e foi assassinado durante uma operação da Divisão de Homicídios e da PM. Janaína passou mal durante o enterro de seu filho. Na madrugada de segunda para terça, também. Foram três anos de muita dor e remédios para aliviar o vazio e afastar a depressão.

Em maio de 2017, acompanhamos o movimento de mães que tiveram seus filhos mortos pelo estado do Rio durante ato na Maré. A força dessas mulheres é também uma dor profunda no coração e na alma de todas e todos que se solidarizam com os injustiçados e se indignam com a violência do estado.  A política de enxugar gelo e derramar sangue mata e sangra mães como Janaína e tantas outras que continuam vivas, mas mortas. Confira abaixo, o comovente desabafo de Natasha Neri, amiga de Janaína.

O Rio não amanheceu

De madrugada, enquanto os caveirões e capitães do mato invadiam as favelas da Maré e disseminavam o terror pelas ruas e vielas, tombava, vítima de infarto, Janaina Soares, mãe de Christian Soares, morto aos 13 anos, em 2015, numa operação da Divisão de Homicídios e da PM em Manguinhos.

Janaina começou a se sentir mal ontem durante o dia, mas não quis ir ao hospital. Mesmo passando muito mal, se negava a aceitar ajuda. A depressão a acometeu nesses últimos 3 anos, tendo idas e vindas no ativismo dos familiares, mas sempre se reerguendo, com um sorriso largo no rosto

Dois dias antes, no domingo, viu o Estado matar outro adolescente de 17 anos, perto de sua casa. Mandou as fotos do corpo para as companheiras do Mães de Manguinhos. Ninguém sabia o nome do menino, que não era morador de Manguinhos. Janaina ficou atordoada, triste, desesperada. A cada morte na favela, as mães que perderam seus filhos revivem os assassinatos e sentem na pele a morte outra vez.

Foram três adolescentes mortos pelos fuzis do Estado essa semana nas favelas. Mas a mídia noticia que eles foram vítimas de “bala perdida”, essa categoria que contribui para a legitimação do processo social do genocídio.

O dia nem amanheceu e o Estado aterroriza a Maré e o Complexo do Alemão. O helicóptero aéreo dispara no Alemão. Dona Tereza, que teve seu filho morto pelo Estado, não pode sair de casa, pois “não dá para botar a cara para fora de casa. É muito tiro”.

Às 7h, a confirmação. Janaína foi morta pelo Estado. Teve seis paradas cardíacas.O Estado matou Christian e agora levou sua mãe, vítima de depressão. O extermínio promovido pelo Estado corporificado no peito de Janaína. O coração adoecido da mãe parou de pulsar.

Nos grupos de familiares de vítimas, o desespero das companheiras de luta de Janaína. O sofrimento. O grito. O choro. As Mães de Manguinhos saem pelas ruas atrás da família de Janaína. As outras mães se desesperam, passam mal, vomitam, tomam calmante, tremulam. O Estado aniquila a saúde das mães e moradores de favelas. Quantos mais tem que morrer para o genocídio acabar?

“A bala tá voando”, conta um morador da Maré, que passou a noite em claro, por conta da chuva de tiros da polícia. Mais cinco mortos pelo Estado, além de pelo menos outros oito feridos. Um professor, William, assassinado em via pública pela polícia. A TV afirma que ele tinha passagem por porte de arma. Mais uma vez, a mídia criminaliza os mortos pelo Estado, e este afirma que a operação foi “bem sucedida”, pois apreenderam drogas.

Dona Tereza ainda não conseguiu sair de casa no Alemão, pois a polícia continua violando os direitos dos moradores. E a operação na Maré não acabou. As mães de vítimas continuam chorando. Um choro coletivo. A morte é coletiva. Mas uma abraça a outra, se afagando, se consolando, se fortalecendo. “Vamos resistir, por Janaína”, elas gritam.

O Rio não amanheceu.

Texto de Natasha Neri, 06 de novembro de 2018.