Originalmente publicado em O Globo 

Quando temos a oportunidade de crescer reconhecendo que o cabelo crespo é lindo é possível que crianças negras possam viver para além da luta ou do sofrimento

Por Thais Ferreira, vereadora do PSOL Carioca

A escolha de usar o cabelo “natural”, para muitas pessoas, pode ser uma solução simples e que traz “conforto” no dia-a-dia. Contudo, para pessoas negras, os ideais de beleza construídos em uma sociedade de formação racista fazem com que essa escolha seja permeada por ansiedade, sofrimento e até mesmo dor.

Crescer numa sociedade racista, que cria imagens de controle negativas sobre as mulheres negras, por exemplo, e não apenas pela sua cor, mas também pelo aspecto de seu cabelo natural, é ter que lutar desde muito cedo pela ruptura de diversos padrões ou ser aprisionada por todos eles.

Para superação desse desafio coletivamente, mulheres e homens negros têm se mobilizado desde sempre por meio de movimentos de libertação e emancipação estética. Do Black Power dos panteras negras, passando pelo Black is Beautiful até chegar ao Black Lives Matter. Assim como, aqui no Brasil, nossos movimentos negros, também embalados pelo samba, o soul, o rap, o funk e o hip-hop. De Bezerra da Silva, Elza Soares, até os Racionais MC’s, Djonga e Ludmilla. Movimentos com reivindicações sociais e econômicas que não deixaram de abordar também a questão cultural, a autoestima das pessoas negras e a necessidade da sua afirmação em uma sociedade que cria desigualdades a partir dos bens e propriedades, distribuídos de forma desigual, mas também de gestos e atitudes.E, sim, muita coisa mudou para nós, pessoas negras, através destes movimentos, principalmente a nossa consciência sobre nossa beleza, que também é política.

Mas e a mentalidade das pessoas brancas? — eu pergunto. Muitas ainda seguem criando e reproduzindo RACISMO, com a desculpa de serem as tais “piadas sem graça”! Então, nós estamos produzindo música, teatro, cinema, literatura, pesquisas, lideranças e movimentos, estamos o tempo todo dizendo nosso cabelo é lindo, por exemplo, e eles ainda se permitem dizer que não tomaram conhecimento disso.

Será que alguém consegue imaginar o que acontece quando uma pessoa negra cresce consciente de que seu cabelo crespo é lindo e que ela deve sempre se orgulhar dele? Eu cresci assim, e digo: é possível! E “REVOLUÇÃO” é a resposta.

Quando temos a oportunidade de crescer reconhecendo que o cabelo crespo é lindo, e que a história está sempre em movimento, é possível que, desde cedo, crianças negras possam viver para além da luta ou do sofrimento, convivendo de forma verdadeiramente libertadora com suas “coroas naturais”. Minha mãe me ensinou assim, e meu compromisso é fazer afirmação positiva para criar imagens dignas de orgulho para todas as que já vieram e as que ainda virão depois de mim. Foi assim que, lá em 2005, eu criei no Orkut a maior comunidade de cabelos crespos naquela rede social. E é assim que, agora, uso minha presença como vereadora eleita no Rio de Janeiro para normatizar o BLACK POWER nos ambientes institucionais e de poder.

Que nos ouçam e aprendam de uma vez por todas que é só a partir de uma educação descolonizadora para todos, desde o começo da vida, que poderemos ser, em todos os espaços e em cada vez maior número, Ludmillas, Lázaros e também Joões. Pessoas negras, CRESPAS e muito orgulhosas!

* Thais Ferreira é vereadora (Psol) na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e ativista social filiada ao Movimento Negro Unificado