Como a manicure, a diarista, os vendedores ambulantes vão pagar suas contas sem trabalhar?

Por Talíria Petrone (Dep. Fed. Psol RJ)

Na era do individualismo e de grandes diferenças sociais, a pandemia do coronavírus nos lembra que estamos juntos nesta vida e neste planeta, no mesmo momento histórico. Não há ninguém invencível ou inabalável, mas o impacto desta crise mais uma vez mostra que não estamos em situação de igualdade.

Já era explícita a seletividade no acesso a serviços públicos de saúde.  E vai piorar. Nos últimos dias, são muitas as denúncias de dificuldade de acesso aos testes para a Covid-19. A população das áreas mais pobres do Rio, por exemplo, tem relatado mortes por pneumonia na rede pública, as quais não têm sido registradas como decorrentes do vírus. A primeira vítima no estado é uma trabalhadora doméstica: sua patroa havia contraído a doença no exterior. Ela demorou a entrar na estatística. A provável subnotificação seletiva é um recado: à vida dos pobres não é dado o mesmo valor.

No Estado do Rio,  mais de 20% da população vivem em favelas, onde faltam água encanada, tratamento de esgoto e energia. Como cumprir as orientações mínimas de higiene e prevenção? Como famílias de seis pessoas que vivem em um único cômodo podem cumprir o necessário isolamento social?

O problema da seletividade é também econômico. Como a manicure, a diarista, os vendedores ambulantes vão pagar suas contas sem trabalhar? Segundo dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), 41,1% dos trabalhadores brasileiros estão na informalidade. Como implementar medidas de isolamento social sem que o Estado e a iniciativa privada garantam uma política de renda mínima para estes trabalhadores? A nossa bancada na Câmara apresentou projeto de lei que visa a proteger os mais vulneráveis no mercado de trabalho.

Segundo os dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2016, o Brasil conta com mais de 101 mil pessoas em situação de rua; destas 14 mil só no Estado do Rio. Para enfrentar a crise em curso, é necessário construir política para os abrigos, criar condições de higiene, além de garantir a entrega gratuita de kits de prevenção.

O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, chegando a 773.151 pessoas privadas de liberdade, segundo dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) 2019. Destes, cerca de 33% são de presos provisórios. As condições de saúde, salubridade e  humanidade no cárcere são terríveis. Segundo dados do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, 62% das mortes nos presídios são provocadas por doenças como HIV, sífilis e tuberculose. A chegada da Covid-19 num sistema já precário e superlotado terá consequências muito graves.

A pandemia chega num cenário de desmonte da saúde pública, que em 2020 perdeu R$ 20 bilhões por conta da Emenda do Teto de Gastos.  O impacto no Rio será ainda mais duro, uma vez que a rede estadual de saúde vem, nos últimos seis anos, registrando queda de 21,5% do número de leitos, segundo dados oficiais do próprio SUS. Quase 100% das vagas em UTI estão ocupados. Como medida imediata, devem ser garantidos leito dos hospitais privados para atendimento a pacientes do SUS, seguida da suspensão da Emenda do Teto dos Gastos.

Nós não sairemos dessa crise na lógica do cada um por si. É hora de dar visibilidade às mazelas dos até aqui invisíveis para o poder público e exigir que toda vida tenha o mesmo valor. É hora de olhar em volta e de construir saídas solidárias e sociais. O coronavírus chega para nos lembrar que, apesar das nossas diferenças, a sociedade é uma só, e problemas como o déficit de moradia, a falta de acesso à saúde e à água, a superlotação dos presídios, a informalidade dos trabalhadores não podem esperar. É tempo de urgência.