(publicado originalmente no Esquerda Online em 23/02/2021)
Em meio a uma das maiores crises econômicas da história do capitalismo, com mais de 14 milhões de desempregados no país e o fim da única fonte de renda para milhões de brasileiros, o auxílio emergencial, vemos também uma crise na política liberal do governo Bolsonaro. É difícil dizer à população que ela deve pagar mais caro pelo combustível e pelo gás de cozinha para deixar o “mercado” satisfeito. Sinal disto é a recente demissão do presidente da companhia, Roberto Castello Branco, um dos mais entusiastas defensores de políticas de destruição e entrega da Petrobrás ao capital privado e estrangeiro. Apesar das bravatas do Bolsonaro de que estaria do lado do povo, que quer diminuir os preços, não vemos sinais de que o cerne da política econômica atual que leva aos aumentos abusivos será mudado. Em 2018, o então presidente da Petrobrás, Pedro Parente, também foi retirado da estatal, após a greve dos caminhoneiros e petroleiros. No entanto, não houve mudança, e sim uma maquiagem temporária.
Neste texto, procuramos mostrar que a única forma de garantir preços acessíveis é revertendo o processo de privatização da Petrobrás que tem beneficiado estrangeiras e empresas ligadas a Paulo Guedes. Iremos analisar como os preços dos derivados de petróleo – gasolina, diesel e gás de cozinha –, alcançaram valores tão exorbitantes e a necessidade de acabar com o chamado “PPI”. Defender a Petrobrás é defender a nossa economia, a economia para os trabalhadores, não para meia dúzia de acionistas.
Por que o preço dos combustíveis e do gás de cozinha estão altos e abusivos?
No Brasil, o gás de cozinha, a gasolina e o diesel seguem uma política de preços da Petrobrás instaurada em 2016 por Michel Temer e Pedro Parente – política nomeada como Preço de Paridade Importação (PPI). Estes produtos derivados de petróleo e de gás natural têm “como base o preço de paridade de importação, formado pelas cotações internacionais destes produtos mais os custos que importadores teriam, como transporte e taxas portuárias, por exemplo”1. Seria como se o preço destes itens fossem os mesmos praticados no mercado internacional, adicionado o custo de trazê-los até o nosso posto de gasolina ou revenda de gás, e tudo isto em dólar!
Um dos determinantes deste valor é o preço do petróleo, isto é, o valor negociado para o brent (tipo de petróleo que é a principal referência de preço internacional da commodity). O brent, que chegou a ser comercializado abaixo dos 30 dólares entre março e maio de 2020, na esteira da crise do setor com o início da pandemia, hoje já ultrapassada os 62 dólares e tem uma tendência de alta – intensificada com o início da vacinação pelo mundo. Segundo estimativas do Goldman Sachs e do JPMorgan, podemos estar vivendo um novo super ciclo do preço do petróleo que fará o preço do petróleo chegar a valores entre 80 e 100 dólares2 – o que jogará os preços dos combustíveis e do GLP ainda mais para cima.
Gráfico 1 – Preço médio diário do Brent em dólares (em valores correntes)
Fonte: U.S. Energy Information Administration
A consequência desta política da Petrobrás é o grande aumento dos preços. Com a alta do preço do barril e a desvalorização do dólar, este sistema de precificação faz com que os valores saltem, como podemos ver nos próximos dois gráficos. No primeiro verificamos o aumento real (considerando a inflação, para que tenhamos dados mais “comparáveis”) nestes últimos meses. O preço do diesel chegou ao seu recorde histórico e o da gasolina se aproxima deste mesmo feito. É importante pontuar que os preços anteriormente mais altos ocorreram à época da greve dos caminhoneiros, em maio de 2018. Enquanto o diesel teve pequena diminuição do preço após políticas de desoneração do então presidente Temer, a fim de dar fim à greve, a gasolina ainda continuou subindo até outubro daquele ano, quando se iniciou um período de grande queda no preço internacional do petróleo.
Gráfico 2 – Preço do Diesel S-10 e Gasolina Comum nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (sendo o mês de fevereiro uma estimativa)
Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]
A desastrosa política de preços se expressa dramaticamente no gás de cozinha, que já tem um preço maior do que o recorde anterior, no início de 2018. Diferentemente da gasolina e do diesel, o GLP não teve redução do preço na pandemia, pois a demanda do gás aumentou, devido às pessoas passarem a cozinhar muito mais em suas casas. Segundo a Associação Brasileira dos Revendedores de Gás Liquefeito do Petróleo (Asmirg), o preço do botijão de 13 kg pode chegar a R$ 150 ainda em 20213– uma tragédia nacional.
Gráfico 3 – Preço do GLP nas revendedoras em valores reais de dezembro de 2020 (sendo o mês de fevereiro uma estimativa)
Fonte: ANP; IBGE [Elaboração própria]
Como os dados mostram, os drásticos aumentos dos preços destes derivados têm um fator determinante, o preço internacional do petróleo, que contamina nosso país através do sistema de paridade, o PPI.
Retirar impostos funciona? Faz sentido?
Bolsonaro vem apostando na estratégia de sempre, jogar a culpa nos outros. Para isto aproveita-se do eterno senso comum, que culpa os impostos. Como podemos ver no Gráfico 4, os tributos são apenas uma parte do preço final destes itens. A gasolina é o único dos derivados que têm uma parcela grande como tributo, 42% entre ICMS e tributos federais. O diesel tem um peso de 23% em tributos estaduais e federais. Por fim, apenas 18% do preço final do gás de cozinha corresponde a impostos.
Se compararmos a países europeus, temos tributações bem menores. França, Alemanha, Itália e Reino Unido têm uma carga tributária de 58% no diesel, de 63% na gasolina e de 34% no GLP, em função de políticas ambientais e de desincentivo ao transporte individual. Os EUA, país com carga tributária menor no consumo (por concentrar mais sua tributação na renda e na riqueza), têm tributação de 21% tanto para o diesel quanto para a gasolina.
Gráfico 4 – Formação de preços por derivado
Fonte: Petrobrás
A política de zerar a parte dos impostos destes produtos que iriam ao governo federal tem um efeito pequeno – basta lembrar que desde o início do ano o aumento acumulado do diesel é de 27%, nove vezes a sua carga tributária federal, por exemplo. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Entidades de Classe das Revendas de Gás Liquefeito de Petróleo (Abragás), zerar os tributos federais no GLP terá uma redução de apenas R$ 2,18 por botijão4, e segundo a entidade sequer há a garantia de os 2 reais chegarem até o consumidor final. Mas a conta é alta. Estimativa da XP Investimentos para as isenções no diesel dizem que esta política irá retirar R$ 3 bilhões dos cofres federais por bimestre – isto é, caso seja permanente poderá chegar a R$ 18 bilhões a menos no orçamento. Em um país onde a arrecadação federal caiu 6,91% em 2020, parece um suicídio. Além disto, sabemos que alguém pagará a conta – e neste governo quem paga a conta nunca é quem realmente deveria. Provavelmente será exigido novas reformas como a Administrativa, diminuindo salários já achatados do funcionalismo e retirando ainda mais direitos.
Privatizações pioram a situação
A política de privatizações está mostrando o seu resultado. A privatização da Liquigás – empresa até então estatal e que atua na revenda e distribuição de gás de cozinha –, por exemplo, e a consequente formação de um oligopólio privado naquele setor, diminui a força do governo para impedir os preços abusivos no gás de cozinha. Tal como podemos ver no Gráfico 4, essas empresas abocanham 35% do valor final pago pelo produto.
A venda das refinarias será o tiro de misericórdia contra os brasileiros. Se a direção da Petrobrás e o governo Bolsonaro conseguirem vender a metade do parque de refino do país – como planejam neste e no próximo ano – não teremos mais nenhuma opção senão aceitar preços abusivos, muito superiores aos custos reais dos produtos refinados. Entregando refinarias no Paraná, em Pernambuco, Minas Gerais e no restante do país, criaremos monopólios privados regionais. Quem irá dizer quanto a gasolina custará na Bahia será um fundo de investimentos dos Emirados Árabes – o Fundo Mubadala. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, será a família Igel, a partir do grupo Ultra, provável compradora da REFAP.
Acabar com a paridade de preços internacionais e com o programa de privatizações!
Os números mostram que o único fator determinante para a explosão dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha é o PPI. Por isto só resolveremos o problema caso consigamos acabar de vez com esta política. Isto não é dar prejuízo para a Petrobrás, muito pelo contrário. Queremos fortalecer a estatal, fazendo com que cresça com mais refinarias, mais produção de biocombustíveis e de gás. Não somos nós que estamos entregando refinarias, gasodutos, poços de petróleo e um infinito conjunto de outros ativos valiosíssimos ao mercado. Se a Petrobrás seguir este rumo, além de perdermos a transição energética no Brasil, papel sempre desempenhado unicamente no país por nossa estatal, teremos que aceitar todos os ditames do mercado.
Quando a maioria dos trabalhadores não conseguir comprar gás para cozinhar em casa, quando entregadores, motoristas de aplicativos e caminhoneiros não puderem mais trabalhar, quando mais e mais pessoas se deslocarem a pé por conta do preço do transporte, frases como a de Roberto Castello Branco serão a regra: “eu aumento o preço aqui e não tenho nada a ver com caminhoneiro”.
Defender a Petrobrás é defender a soberania popular e o planejamento econômico, e não a ditadura do mercado!
Pelo fim do PPI! Contra a venda das refinarias!