‘O desempenho de alguns representantes do governo Bolsonaro na CPI da Covid tem sido marcado pela mentira’

Por Chico Alencar (Vereador PSOL Carioca) – Originalmente publicado no Diário do Rio

O desempenho de alguns representantes do governo Bolsonaro na CPI da Covid tem sido marcado pela mentira. Foi o que se viu nas participações de dois ex-ministros que depuseram: Ernesto Araújo, ex-chanceler, e Eduardo Pazuello, que respondia pelo Ministério da Saúde até dois meses atrás.

O depoimento do ex-chanceler Ernesto Araújo, no dia 18 de maio, foi um show de negacionismo: ele negou tudo o que praticou, escreveu e falou quando foi ministro das Relações Exteriores. Negou o próprio negacionismo!

Escreveu, por exemplo, um artigo intitulado “ComunaVírus”, mas afirmou, na maior cara de pau, que “não se referia ao vírus da Covid 19 nem à República Popular da China”, insistindo que nunca teve postura antiChina. A mentira foi tão grande que o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD /AM), o alertou de que poderia ser preso por adotar essa conduta.

Outras inverdades ditas por Ernesto Araújo: (1) em sua gestão nunca houve alinhamento automático com os EUA de Trump; (2) nunca ouviu falar de “imunidade de rebanho” e não tinha opinião sobre isso, por “desconhecimento técnico”; (3) jurou nunca ter participado de qualquer negociação para compra de vacinas, atribuindo absolutamente tudo ao Ministério da Saúde; (4) agiu para a compra de cloroquina apenas “para repor estoque do remédio para outras doenças”, e não para tratamento precoce da Covid; (5) recebeu a carta da Pfizer, através do embaixador em Washington, mas não a encaminhou ao presidente da República, nem conversou sobre ela, por “pressupor” que ele já tinha ciência.

Pelo dito, parece que o ex-ministro saiu do Ministério das Relações Exteriores por excesso de competência, equilíbrio e bom senso.

Não podemos esquecer, no entanto, que hoje o Brasil é visto com pária na comunidade internacional graças à atuação desastrosa de Araújo à frente do Ministério das Relações Exteriores.

Nos dias 19 e 20 de maio, foi a vez de Eduardo Pazuello dar o seu show de cinismo. Mesmo sob juramento, se contradisse o tempo todo e mentiu descaradamente para proteger Bolsonaro.

Chegou a dizer que nunca recebeu ordens do presidente e minimizou a declaração de que “um manda e o outro obedece”, revelando para o Brasil inteiro a relação subalterna mantida com o chefe.

Bem amestrado, com postura mais de ajudante de ordens que de general, aceitou servir de bode expiatório para tentar eximir o presidente da responsabilidade pela desastrada condução da pandemia.

Entretanto, pressionado, Pazuello acabou por admitir que Bolsonaro estava presente na reunião interministerial que tratou da falta de oxigênio no Amazonas e que o presidente escolheu não intervir na crise. As consequências, sabemos, foram gravíssimas: 30 pacientes morreram asfixiados em apenas dois dias. Deixar o povo amazonense abandonado à própria sorte foi uma atitude criminosa.

O vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede/AP), definiu as versões mentirosas e contraditórias de Pazuello como “contorcionismo de fatos”. O relator, senador Renan Calheiros (MDB/SE), contabilizou 14 mentiras proferidas pelo general e disse que ele promoveu o “negacionismo do negacionismo”.

Segundo o senador Randolfe (Rede/AP), o primeiro mês da CPI pode ser resumido em três fatos apurados pela comissão:

1) Existiu claramente uma política antivacina, baseada na tal “imunidade de rebanho”;

2) O negacionismo foi responsável por essa estratégia, ou seja, pela ação deliberada do governo federal de não adotar as medidas restritivas necessárias para evitar a disseminação descontrolada do vírus.

3) O governo deixou seus compatriotas morrerem por asfixia ao decidir não intervir na crise do oxigênio em Manaus.

Omissão, inação, negligência e descaso: esse é o resumo da (não) atuação do governo federal na gestão da pandemia.

Várias CPIs já termiram em pizza, sem definir culpados pelos fatos. A CPI da Covid não pode ir pelo mesmo caminho.  É preciso mostrar quem são os responsáveis pelas milhares de vidas perdidas. É o que o Brasil espera, em respeito e justiça às vítimas e às famílias enlutadas.